sábado, 30 de junho de 2018

PARRICÍDIO ANCESTRAL?

Fala-se muito sobre a política entre os chimpanzés (de Waal, 1990). O sistema sócio-político dos chimpanzés pode ser contrastado com aquele observado em outros primatas, tais como os babuínos. A hierarquia nos babuinos é baseada na força bruta. O macho alfa domina os outros e as fêmeas, reservando para si o acesso sexual às fêmeas.

Os chimpanzés, por outro lado, parecem ter se estruturado em termos de um sistema sócio-político menos baseado na força bruta e mais na política. Ou seja, na formação de coalizões entre alguns poucos machos, assegurando para si o acesso aos recursos. 

Segundo Sapolsky (2005) os dois sistemas de dominância têm conseqüências distintas sobre os níveis de estresse e saúde dos indivíduos. Na hierarquia da força bruta, os mais estressados são os machos alfa. A qualquer momento o seu predomínio pode ser questionado. Na hierarquia sócio-política, os mais estressados são os subordinados. Essa hipótese parece estar de acordo com a maior prevalência de estresse e problemas de saúde física e mental nas sociedades contemporâneas entre as pessoas de menor status social. 

Uma análise mais recente indica que a política chimpanzé precisa ser relativizida (Boehm, 2000). Na verdade os machos alfa e beta chimpanzés funcionam mais como os ministros do STF brasileiro. Estão mais interessados em promover os seus interesses pessoais e da sua clique. 

Na verdade, os machos alfa chimpanzés, tais como os políticos brasileiros, não se comportam como verdadeiros estadistas. A dominância social em primatas tem vantagens e desvantagens. Os dominantes assegura o acesso a recursos para si. Os subordinados garantem sua sobrevivência imediada, poupando-se para um posterior revide, e ao menos teoricamente, poderiam se beneficiar da proteção fornecida pelos dominantes. Na Idade Média, p. ex., havia três estados: os camponeses que trabalhavam, os monges e freiras que rezavam e os cavaleiros que lutavam. Os nobres exploravam mas ao mesmo tempo protegiam os dois outros estados. Os religiosos negociavam com a mais Suprema Autoridade, a Paz Eterna.

Os machos alfa chimpanzés, tais como os políticos brasileiros, prestam poucos serviços à comunidade. O investimento paterno entre os chimpanzés é quase nulo. E a capacidade de liderança, ou seja, de coordenação de esforços em prol da caça ou da proteção contra bandos rivais, é apenas incipiente. Da mesma forma, os nossos políticos nos fornecem serviços de última em troca de impostos de Primeiro Mundo. 

A liderança de empreitadas coordenadas somente emergiu nos humanos a partir do momento em que nossos ancestrais se tornaram bípedes, liberando as mãos para a fabricação de instrumentos, e desenvolvendo a linguagem para a fofoca e coordenação de esforços. 

Um dos principais tipos de ferramentas que os humanos desenvolveram são as armas letais, tais como as lanças. Segundo Boehm (2000) as armas de projeção à distância permitiram que os mais fracos coordenassem seus esforços contra os mais fortes, controlando em alguma medida seu poder e evoluindo um sistema sócio-político mais igualitário entre os coletores-caçadores.

Similarmente, a coordenação de esforços entre os mais fracos no Brasil, para nos proteger dos poderiosos rapaces e dissimulados, só foi possível a partir do advento do FaceBook. É porisso que os poderosos reduzem o alcance das postagens politicamente incorretas e querem censurar as supostas fakenews no FaceBook.

Alguns exemplares de arte rupestre concordam dão supore para a hipótese de Boehm (2000). Em uma caverna chamada de Remigia na Espanha, foi descoberta uma cena muito ilustrativa (Mitras, s.d.). A pintura exibe um homem e varado por flechas, o qual se encontra a alguma distância de um bando de uma dúzia de homens armados de archos e flechas (Figura 1). O processo de impeachement da Dilma Rousseff, organizado de modo pacífico pelo FaceBook, foi um episódio não menos momentoso na nossa história.


Figura 1 - Ilustração do parricídio ancestral em uma pintura rupestre encontrada na Cova de Remigia?

Será que essa cena da Cova Remigia é uma representação do parricídio ancestral imaginado por Freud em livros como "Totem e Tabu” e “Moisés e monoteísmo”? Será que não chegou a hora de nós brasileiros cometermos o nosso parricídio ritual, jogando os nossos políticos na lata de lixo?


Referências

Boehm, C. (2001). Hierarchy in the forest. Evolution of egalitarian behavior. Cambridge, MA: Harvard University Press.

de Waal, F. (1990). Peacemaking among primates. Cambridge, MA: Harvard University Press.


Sapolsky, R. M. (2005). The influence of social hierarchy on primate health. Science, 308(5722), 648-652.

POR QUE PERDER TEMPO COM A POLÍTICA DE IDENTIDADES SE SOMOS TODOS IGUAIS?

Hoje eu estava pesquisando para o minha disciplina no PPG em Neurociências no segundo semestre, sobre neurovolução da moralidade. Daí eu comecei a ler um artigo muito bacana de Gintis, van Scheik e Boehm (2015). Os caras propõem um modelo muito interessante para a evolução social humana. Segundo eles, a invenção e disponibilidade de armas letais, tais como lanças, teria permitido que os mais fracos unidos enfrentassem efetivamente os machos alfa, constrangendo o poder desses.

Teria surgido assim o igualitarismo primitivo que caracteriza as culturas de caçadores e coletores. Teria surgido assim a política. O enfrentamento dos metidos a bully passaria a depender então da articulação política entre os mais fracos. Surgiria o Homo ludens. E  o Homo sapiens se transformaria em Zoon politikon. Acho essa história fascinante. Entre outras coisas porque ela é reminescente do mito da hora primitiva e parricídio propostos por Freud. Fica no modo condicional, como uma hipótese a ser melhor explorada.

O Chritopher Boehm eu já conhecia. Acho que ele é o autor origina do modelo (Boehm, 2001). Fiquei curioso a respeito do Herbert Gintis. Já tinha visto alguma coisa dele. Mas nunca tinha lido. É um economista daqueles metidos a fazer uma teoria de tudo, integrando todo o conhecimento das ciências sociais e comportamentais. Fui lá no site do cara e me deparei com o disclaimer que consta na Figura 1. Como não ficar curioso a respeito de um cara desses? Como não ir atrás da obra dele?

Figura 1 - Disclaimer no site de Herbert Gintis.

A frase é intrigante. Eu entendo da seguinte maneira. Justamente porque somos iguais, porque comungamos uma origem comum e uma mesma natureza humana, não podemos ficar perdendo tempo com essa bobagem relativista e com a política de identidades, que promove o pluribus em detrimento do unum. A política de identidades é divisiva. Ela promove a diferença de castas. É uma distorção da ira justa dos mais fracos contra o pai poderoso. É uma tentativa de usa o poder do estado não para abolir, mas para criar uma nova pecking order. Representa uma tentativa de voltar no tempo para antes da Pedra Lascada, um retorno ao estado natural mítico de Hobbes:

Hereby it is manifest, that during the time men live without a common power to keep them all in awe, they are in that condition which is called war; and such a war as is of every man against every man.... In such condition there is no place for industry, because the fruit thereof is uncertain: and consequently no culture of the earth; no navigation, nor use of the commodities that may be imported by sea; no commodious building; no instruments of moving and removing such things as require much force; no knowledge of the face of the earth; no account of time; no arts; no letters; no society; and which is worst of all, continual fear, and danger of violent death; and the life of man, solitary, poor, nasty, brutish, and short (cit in Pinker, 2003, p. 13).

Referências

Boehm, C. (2001). Hierarchy in the forest. Evolution of egalitarian behavior. Cambridge, MA: Harvard University Press.

Gintis, H., van Scheik, C. e Boehm, C. (2015). Zoon politikon. The evolutionary origins of human political systems. Current Anthropology, 56, 327-353.

Pinker, S. (2003). The blank slate. The modern denial of human nature. New York: Penguin.