Era uma vez um país muito pobre, mas com muito futuro. Um
país caracterizado pela miséria e desigualdade social. Alguns tinham muito,
incluindo riqueza e educação pública da melhor qualidade que o estado conseguia
oferecer, e muitos não tinham nada. Os muitos viviam na ignorância e eram facilmente
presa de políticos populistas inescrupulosos que haviam se apossado do estado
há mais de quinhentos anos. Como eram muito necessitados, os muitos votavam em
políticos safados que lhes prometiam o Céu na Terra, o que contribuía para perdurar
a miséria e a ignorância. Esse regime consistia uma forma de patrimonialismo,
mas se disfarçava sob a designação de capitalismo selvagem.
O povo vivia na miséria e na ignorância, contrastando com a
abundância de recursos naturais do país, principalmente terras e mais terras
agricultáveis, minérios, uma flora e fauna diversificadíssimas, incluindo muita
saúva etc. A ignorância era causada, em grande parte, pela falta de acesso a
escolas. Mas, mesmo quando conseguiam ir a alguma escola, as crianças não
aprendiam. Teimavam em não aprender.
Aí apareceu um educador iluminado. Um pedagogo messiânico e
barbudo que fez um diagnóstico. A idéia do cara era a seguinte. As crianças não
aprendiam porque os métodos e materiais usados e habilidades ensinadas na
escola eram muito distantes da sua realidade cultural, do seu dia a dia. As
crianças não aprendiam porque as atividades propostas pelos professores enão
faziam sentido para elas. A escola funcionaria assim como mais um aparelho de
dominação ideológica, cuja função não seria ensinar, mas sim discriminar.
Colocar os pobres no seu lugar e mantê-los na ignorância e na miséria. Além de
humilhá-los pela sua incompetência. Esse último aspecto recebia o nome de
complexo de vira lata. Esse último era o aspecto mais perverso do sistema, a
desvalorização e o desrespeito à cultura
originária das crianças.
O diagnóstico do grande educador teve ampla aceitação
nacional. Mais aceitação ainda tiveram as soluções que ele propôs. O messias
rousseauniano foi perseguido pelas forças da reação, teve inclusive que viver
exilado um bom tempo, mas gradualmente suas idéias se impuseram. As idéias do pedagogo
barbudo impregnaram tanto a formação e prática dos professores que, lá pelas
tantas, ele chegou a ser nomeado patrono da educação nacional. É forçoso
reconhecer, entretanto, que o programa educacional do notório educador somente
foi implementado a partir do momento em que um demiurgo, o Sapo Barbudo assumiu
o poder. O Sapo Barbudo se notabilizou por atingir a perfeição do ideal de não
aprender nada na escola, ou seja, o grau zero do conhecimento, a ignorância
suprema.
A receita do novo Grande Conselheiro da educação,
implementada de modo acelarado pelo Sapo Barbudo, era simples. Sempre um
remédio simples, milagroso e ineficaz para um problema complexo. Se as crianças
não aprendiam porque a escola não tinha esse objetivo, constituindo-se apenas
numa máquina opressiva e alienante, então havia necessidade de uma mudança
radical na mentalidade dos professores e nas finalidades da escola. A escola
parou de instruir e os professores deixaram de ser conhecidos por esse nome e
passaram a ser chamados de educadores.
Segundo o gênio, a missão dos professores precisava ser
desvirtuada. A educação não consistiria apenas da preservação, expansão e transmissão do estoque
de conhecimentos das gerações passadas para as futuras. A missão da educação
seria muito mais nobre e ambiciosa. Seu objetivo seria despertar a consciência
dos educandos. Abrir os seus olhos para o sistema iniquo sob o qual viviam,
despertar para a possibilidade de construção de uma nova realidade. Tipo assim,
um Céu na Terra através da luta política. A missão da educação se despiu então
das tecnicalidades que a tornavam opressora e apenas serviam aos interesses dos
estamentos sociais dominantes e assumiu um caráter inovador, libertador. A
missão da educação foi equalizada à luta política.
Diversas modificações nos conceitos e práticas educacionais
se seguiram a esse insight do barbudão iluminado. Os educadores pararam de
transmitir conhecimento e começaram a perguntar às crianças e jovens o quê e
como eles queriam aprender. Passaram a ter voz ativa na definição de um
currículo mais próximo da sua realizade e mais afastado da cultura superior.
Como ninguém ensina nada a ninguém, rompeu-se a hierarquia entre o professor,
que deteria o suposto saber, e o aluno, que almejaria a esse suposto saber.
Ambos, educadores e educandos passaram a construir socialmente o conhecimento,
através da troca de experiências e valorização da subjetividade e
especificidades culturais das crianças e jovens. O ensino abandonou a aspiração
de desenvolver as capacidades de raciocínio abstrato e generalização das
crianças e jovens, de acesso à cultura superior como veículo de ascensão
social.
As próprias noções de cultura superior e ascensão social
passaram a ser duramente criticadas. Falar em cultura superior significaria
desvalorizar a cultura popular, a qual é tão ou mais legítima do que qualquer
outra. A cultura popular não precisaria apenas ser valorizada, mas deveria
mesmo se sobrepor à cultura superior dominante, capitalista, patriarcal e
opressiva. As crianças e jovens são incentivados a continuar falando e
escrevendo “nóis pega os pexe”. A ascensão social virou anátema. Afinal,
trata-se apenas de uma aspiração pequeno-burguesa que se tornará desnecessária
após a redenção pelo socialismo.
A aprendizagem tornou-se muito mais atraente e divertida
para as crianças. Os educadores fizeram um esforço enorme para situar o
processo de aprendizagem na cultura e no contexto de vida da criança. Usaram e
abusaram de materiais concretos, atividades divertidas, colaboração em grupos,
descoberta pela experiência etc. Os educadores foram proibidos de instruir
formalmente e de corrigir as crianças. A atividade, os esforços por descobrir e
a capacidade de insight da criança deveriam ser valorizadas, transformando-se
em veículo único da educação. Aboliu-se o sistema de notas e de retenção de ano
escolar por desempenho insuficiente. As crianças passaram a ser promovidas automaticamente,
independentemente do que aprendessem, para acompanhar sua turma e não ser
discriminadas. O descaso pela cultura superior foi incensado como uma forma de
resistência à opressão. Por que perder tempo com música clássica se o funk é o supra-sumo
da musicalidade? Com isso, a educação deixou de ser uma atividade elitista, mecânica,
repetitiva e enfadonha, sendo valorizada a cultura popular e a construção dos
conceitos pela própria criança e pelos jovens.
E o meio singular para essa construção do conhecimento é a
atividade social contextualizada na vida cotidiana. Situada na própria cultura
da criança. Afinal, ao acessar a cultura superior, adquirir habilidades de
raciocínio abstrato e generalização, o indivíduo transforma-se automaticamente
de oprimido em opressor. Com isso a educação atingiria mais um objetivo:
Deixaria de funcionar como uma fábrica tanto de oprimidos quanto de opressores
e se reduziria à celebração da cultura popular. A educação passou a se recusar
a reproduzir as relações de poder vigentes na sociedade, problematizando-as e
promovendo o empoderamento dos alunos.
Os resultados não apareceram de uma hora para outra. Foi um
processo gradual, mas a transformação social preconizada pelo grande líder primeiro
energúmeno e implementada mais decisivamente pelo segundo acabou por se impor.
Correndo o risco de não ser exaustiva, é apresentada a seguir uma lista de algumas
das realizações educacionais do nosso país do “era uma vez”. As grandes
realizações educacionais do país do futuro podem ser sistematizadas, ainda que
de forma grosseira, em duas grandes categorias: a) comportamentais ou éticas, e
b) cognitivas ou epistemológicas.
Comportamento
As mudanças comportamentais inspiradas pelo grande educador
barbudo, ainda que não apenas por ele, foram radicais. Sim, a glória não deve
ser atribuída apenas ao grande energúmeno. Talvez ele seja apenas
representativo de uma era. Mas um representante muito ilustre. Também não se
pode atribuir todo o mérito à escola. As famílias também detêm o seu quinhão de
glória. As interações entre família, escola e estado são bem complexas e se
retroalimentam. P. ex., as famílias constituídas em gerações sucessivas são
formadas por indivíduos que se educaram nas escolas. O estado, por sua vez,
regula a formação e atividade dos professores, fingindo que os paga e
estabelecendo rigorosamente o quê e como eles não devem ensinar. Ao mesmo
tempo, o estado assiste às famílias despossuídas do mínimo compatível com uma
existência digna com compensações monetárias, de modo que elas possam
sobreviver apenas desconfortavelmente, sem contudo, desenvolver aspirações à ascensão
social pela educação e trabalho árduo.
O tecido social foi bordado a partir de um recorte realmente
inovador. Como ninguém ensina nada para ninguém e como as relações entre
educador e educando não devem ser hierárquicas, as práticas disciplinares na
escola (e na família também por via de conseqüência) se tornaram obsoletas. Os
resultados tardaram um pouco, mas não deixaram de se manifestar. A criminalidade
aumentou de tal forma que o pequeno-burguês não pode mais sair à rua. Vive-se
um clima de conflagração civil, no qua o assassinato é uma das principais
causas de mortalidade entre homens jovens. Como a escola não ensina nada a
ninguém, os jovens a abandonam e vão consumir e traficar drogas, uma atividade
muito mais lucrativa. O tráfico cresceu tanto que tem sua própria representação
parlamentar e constitui “no go zones” nas grandes cidades. Impérvias à atuação
do estado. Enquanto a polícia foi criminalizada pela imprensa a ponto de também
não mais poder exercer o seu mister, a população é tolerante e o estado se
recusa a punir movimentos ditos sociais que invadem e depredam patrimônio
público e privado.
As mudanças comportamentais e éticas se manifestaram também
na família. Eu tinha me esquecido de contar. Mas, essa doutrina de que a
educação não se reduz à transmissão de conhecimento e de que ninguém ensina
nada a ninguém teve sua validade restrita ao domínio da disciplina e da cognição.
No domínio da da sexualidade e da família, é diferente. Como as famílias são
compostas por pais ignorantes, alienados e aferrados a valores religiosos
tradicionais, a escola precisou assumir esse aspecto da instrução das crianças.
O ensino de religião, de qualquer religião, foi abolido nas escolas públicas em
nome do estado laico. As aulas de educação sexual desacreditaram os pais, promovendo
a sexualização precoce, a gravidez na adolescência, o comportamento promíscuo,
as doenças sexualmente transmissíveis e a dissolução dos vínculos familiares.
Cognição
O projeto educacional do demiurgo e do seu séquito resultou
em avanços notáveis na área da cognição também. Como a missão da escola não era
mais transmitir conhecimento. De fato, as crianças e jovens pararam de aprender
e de se preparar para o mercado de trabalho e para a ascensão social. Uma maneira
de aquilatar essas realizações pode ser o exame dos resultados obtidos pelos
jovens na prova de matemática do PISA 2015 (Brazil, Ministry of Education,
2016, vide Figura 1).
Figura 1 – Desempenho em matemática dos jovens do país do
futuro no PISA 2015
A Figura 1 mostra que 44% dos jovens de 15 anos do país não
conseguiam atingir o Nível 1 de desempenho em aritmética considerado pela OECD.
Ou seja, mais de 40% dos jovens com 10 anos de escola nas costas não conseguem
atingir o nível de desempenho em matemática esperado para crianças após quatro
anos de escolarização. Na média, 8,47% dos jovens dos países da OECD não
atingiram o desempenho no Nível 1. Esse Nível 1 foi atingido por apenas 27% das
crianças comparativamente a 14,89% na média dos países da OECD. O resultado é
simplesmente brilhante. Uma outra maneira de expressar esses resultados
consiste em dizer que o desempenho em matemática de 75% dos jovens do país do
demiurgo situou-se na faixa dos quartil inferior dos demais países. O
desempenho comparativo demonstra a eficácia relativa em relação aos demais
países do mundo no intuito de não ensinar nadica de matemática para as crianças
e jovens.
Disclaimer e conclusão
Como já foi mencionado anteriormente, não seria justo
atribuir todo o sucesso da empreitada educacional do país do futuro apenas ao
Grande Conselheiro educacional e ao seu operador. Isso seria uma verdadeira injustiça.
A conjuntura é bem mais complexa e a dinâmica história compartilhada em nível
mundial, sendo o programa do Grande Conselheiro inclusive adotado por
organizações internacionais tais como a UNESCO. É mais prudente tomar os dois
barbudos como símbolos de uma época, como dignos representantes de uma
mentalidade e de uma prática política.
Não se pode aderir a diagnósticos simplistas das grandes realizações sociais. O processo histórico depende de uma confluência de forças vivas incluindo o estado, a escola e, principalmente, a família. As ideologias também têm o seu quinhão de responsabilidade. Não se pode esquecer que os ungidos lutam contra as forças reacionárias do patriarcado, capitalismo etc. O jogo é duríssimo. Só que não tem responsabilidae alguma pelo seu destidno é o indivíduo, uma vez que a subjetiva é justamente apenas mais uma construção social.
Não se pode aderir a diagnósticos simplistas das grandes realizações sociais. O processo histórico depende de uma confluência de forças vivas incluindo o estado, a escola e, principalmente, a família. As ideologias também têm o seu quinhão de responsabilidade. Não se pode esquecer que os ungidos lutam contra as forças reacionárias do patriarcado, capitalismo etc. O jogo é duríssimo. Só que não tem responsabilidae alguma pelo seu destidno é o indivíduo, uma vez que a subjetiva é justamente apenas mais uma construção social.
A bem da verdade, deve-se considerar também a
hipótese de que o programa do Grande Conselheiro educacional não tenha sido
implementado na sua melhor forma. Afinal, nem o Sapo Barbudo nem seus acólitos
educacionais são perfeitos. Os resultados estão longe da perfeição e poderiam
ser melhores ainda. Pode-se afirmar sem medo de errar que o apenas o programa
real do patrono da educação foi implantado, o qual fica muito aquém do seu
programa ideal. Mas não é caso para esmorecer. Com renovados esforços e
perseverança o país do futuro haverá de atingir sua meta, ou seja o grau zero
da civilização. Daí terá chegado a hora de construir um novo homem, uma nova
sociedade, mais humana e mais justa. Enquanto isso os cadáveres vão se
empilhando na beira da estrada da educação. Mas isso não importa, todas as
grandes realizações histórias implicam algum custo humano. Ao menos o gigante
despertou. A alternativ seria continuar recostado em berço esplêndido.
Referência
Brazil, Ministry of Education (2016). Brazil in PISA 2015. Executive Summary. Brasília: Autor (https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0ahUKEwjE2an32bHVAhUBOJAKHdsfDZAQFggpMAE&url=http%3A%2F%2Fdownload.inep.gov.br%2Facoes_internacionais%2Fpisa%2Fdocumentos%2F2016%2Fbrazil_in_pisa_2015_digital.PDF&usg=AFQjCNFPXU55omGLTUV_gqZ6KBR942jPUA).