Amanhã é Dia dos Pais. Pretendo aproveitar a comemoração
enquanto posso. Será que os meus filhos e netos vão comemorar o Dia dos Pais?
O Dia dos Pais está em extinção. Eu diria que está, até
mesmo, sendo criminalizado. A tendência das escolas descoladas (sem perdão pelo
cacófato) é abolir o Dia dos Pais. E as escolas mais tradicionais que teimam em
comemorar a data são severamente criticadas no FaceBook. Nunca li tanta reclamação
contra o Dia dos Pais.
Não é que haja criança sem pai. Todo mundo tem pai, ao menos
no sentido biológico. Ainda não inventaram a partenogênese. Toda a criança
resulta da meiose de dois gametas, masculino e feminino. Isso é da vida e
continuará assim enquanto a tecnologia não tornar a reprodução sexual obsoleta.
O que acontece é que muitas crianças não têm pais, no sentido de homens que
desempenhem esse papel social e que se vinculem afetivamente a elas, que
estejam presentes na sua vida, que as criem e ajudem suas mães a cria-las, que
invistam no seu desenvolvimento etc.
O investimento parental masculino é um dos temas mais
interessantes da psicologia evolucionária (Geary, 2000, 2005). Ao contrário do
investimento parental materno, o investimento paterno não é tão incondicional
assim. Em espécies com fertilização interna, como a humana, a evolução do
cuidado parental masculino dependeu de três fatores principais: 1) Necessidade
do cuidado paterno para o desenvolvimento da prole; 2) Ausência de
oportunidades de acasalamento adicional; e 3) Certeza da paternidade (vide
Tabela 1).
Tabela 1 - Investimento parental masculino (cf. Geary, 2000)
As transformações sociais, familiares e sexuais ocorridas
nos últimos sessenta anos criaram um ambiente inóspito para o florescimento do
cuidado paternal. Para um contingente significativo de homens contemporâneos parece
mais atraente uma estratégia reprodutiva quantitativa de investir em novas
oportunidades de acasalamento do que a estratégia qualitativa de investir na
prole. O resultado é um número crescente de crianças que cresce sem pai e que
tem seu desenvolvimento ameaçado por essa privação (Woessman, 2015, Ziol-Guest al., 2015).
Nos países do Hemisfério Norte, 14% das crianças vivem
atualmente em famílias monoparentais (21% dos EUA) (Woessman, 2015). Esses
indivíduos apresentam pior desempenho escolar (vide Figura 1), permanecem menos
tempo na escola, têm menor probabilidade de concluir uma faculdade, se envolvem
mais com drogas, sexo inseguro e comportamentos anti-sociais e apresentam maior
incidência de gravidez na adolescência e vínculos conjugais instáveis.
Figura 1 - Déficit relativo no desempenho em matemática de jovens de 15 anos oriundos de famílias monoparentais (Dados do PISA 2012, cf. Woessner, 2015).
A tendência é que essas crianças que crescem
privadas de pai reproduzam ao longo da sua vida as condições da família de
origem nos seus relacionamentos interpessoais (Belsky et al., 1991, vide Figura
2).
Figura 2 - Transmissão intergeracional de estratégias reprodutivas e suas conseqüências psicossoaiciais (cf. Belsky et al., 1991).
Por mais simpatia que se tenha pelas crianças que crescem
sem pais, abolir o Dia dos Pais não vai resolver o problema. Ao contrário, só
vai piorar a desagregação familiar e todas suas conseqüências nefastas. Muitos
pais biológicos não assumem seus papéis sociais paternais e as crianças
se prejudicam por causa disso. Abolir o Dia dos Pais e “desconstruir” a paternidade
por comiseração não vai resolver o problema. Mais esperto seria adotar
políticas, costumes e valores que estimulassem a paternidade. De modo que um número maior
de crianças e jovens pudesse comemorar o Dia dos Pais.
Referências
Belsky, J.,
Steinberg, L., & Draper, P. (1991). Childhood experience, interpersonaldevelopment, and reproductive strategy: an evolutionary theory ofsocialization. Child Development, 62, 647-670.
Geary, D.
C. (2000). Evolution and proximate expression of human paternal investment. Psychological
Bulletin, 126, 55-77.
Geary, D.
C. (2005). Evolution of paternalinvestment. In D. M. Buss (Ed.), The
evolutionary psychology handbook (pp. 483-505).
Hoboken, NJ: John Wiley &
Sons.
Woessman,
L. (2015). An international look at the single-parent family. Education Next,
Spring.
Ziol-Guest,
K. M., Duncan, G. J., & (2015). One-parentstudents leave school earlier. Education
Next, Spring.
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