Um
pai me escreveu preocupado com a educação dos seus filhos. Diz que seus
meninos, cursando o Fundamental I e Educação Infantil, estão indo bem.
O pai se envolve com sua aprendizagem mas, ao mesmo tempo e porisso
mesmo, se preocupa com seu futuro. A preocupação vêm do fato de que a
escola é construtivista.
Ele andou lendo algumas coisas, inclusive a crítica que eu fiz do construtivismo. Mas quer saber mais.
Escrevi para esse pai com o maior carinho e acho que minha resposta talvez possa ser útil para outras pessoas também.
O
construtivismo funciona melhor para as crianças normais, sem
deficiências cognitivas, sem problemas de comportamento e de classe
média.
Se a criança tem algum problema como TDAH ou dislexia, a coisa complica
bastante.
O maior problema que eu vejo com o construtivismo é o
desprezo pelo conhecimento. O construtivismo, incluindo aí o Paulo Freire,
acredita que a educação não se deve reduzir à “mera transmissão do conhecimento”.
Isso é uma falácia por várias razões.
O conhecimento é muito importante para a aprendizagem. A
aprendizagem depende da integração de forma ativa de novas informações ao
conhecimento previamente armazendo, transformando-o. A memória de longo-prazo
não é um repositório passivo de informação. Mas, sim, um sistema ativo que
assimila nova informação, transformando-a em conhecimento, e integrando-o ao
conhecimento prévio, ou seja, acomodando-a.
É possível ler sobre isso no maravilhoso livro de Daniel
Willingham (2011). Por que os alunos não gostam da escola? Porto Alegre: Penso.
Outro livro que recomendo é: Christodoulou, D. (2014). Seven myths about education. London:
Routledge / The Curriculum Centre.
Uma das áreas nas quais o conhecimento desempenha um papel
fundamental é a compreensão de textos. O vocabulário é um dos principais
preditores da compreensão leitora e a falta de conhecimento de mundo (leia-se
vocabulário) é uma das principais razões do fracasso no letramento das crianças
mais pobres.
Outro exemplo são os fatos aritméticos. Sem memorizar a
tabuada de multiplicação não tem como a criança progredir na matemática.
Memorizar, entretanto, não significa decorar verbalmente (decoreba), mas sim se
envolver tantas vezes com a tarefa de cálculo simples que as associações problemas-resposta
acabam sendo memorizadas sob a forma de fatos aritméticos. É inaceitável, p. ex., que um adolescente não
conheça os fatos aritméticos e precise contar nos dados. Mas eu vejo isso com freqüência no
nosso ambulatório.
Ao
invés da educação como transmissão de conhecimento são preconizdas
formas ativas de apendizagem. Como se pudesse haver algum tipo de
aprendizagem que não fosse ativa. Ou seja, que não dependesse do engajamento
do aprendiz. O que se chama de aprendizagem ativa muitas vezes não
passa de uma espécie de teatrinho com caráter lúdico mas baixíssima
eficicência do ponto de vista da aprendizagem.
Uma
revisão de mais de 800 meta-análises conduzida por Hattie (2009, Visible learning. A synthesis of over 800 meta-analyses relating to achievement. London: Routledge)
comprova a superioridade dos métodos que se revestem de algum componente
instrucional. Os métodos ativos, tais como aprendizagem por descoberta e
cooperação, podem ajudar na motivação. Mas não são o caminho mais
eficiente para a aprendizagem. Quando o aluno se confronta com
situações-problema muito desestruturadas, ele tende a buscar a solução
através de uma estratégia de tentativa e erro. Gasta muitos recursos de
processamento para a descoberta da solução e com isso não sobram
recursos para a aprendizagem.
Outras
vezes, tanto o professor quanto o aluno se restringem aos aspectos
exteriores, comportamentais, dos métodos ativos sem que ocorra um
verdadeiro engajamento cognitivo, do qual depende, em última análise a
aprendizagem. O que é essencial para a aprendizagem é o engajemento
cognitivo. O engajamento comportamental é opcional.
A suspeita que fica é que a crítica à educação como “mera
transmissão de conhecimento” possa, na verdade, servir de desculpa para a
ignorância de muitos professores. Afinal, se transmitir conhecimento não é
importante, por que os professores precisam se dar ao trabalho de adquirí-lo?
No mundo inteiro, mas principalmente nos EUA, está crescendo o movimento de homeschooling. Nos EUA há pais que se encarregam
inteiramente da educação dos filhos em casa. Mesmo que não se adote essa
posição radical, o envolvimento dos pais no sentido de suprir as deficiências
da escola pode ser importante. Desde que não surjam conflitos. Isso depende
muito da conjuminação de temperamentos da criança e dos pais. Quando surgem
conflitos, o envolvimento dos pais tem o efeito contrário.
Tem um livro muito bacana sobre homeschooling: Bauer, S. W. e Wise, J. (2004). The
well-trained mind. A guide to classical education at home. New York:
Norton.
Bauer e Wise defendem a retomada de uma educação clássica,
no treinamento das artes liberais, tais como o trivium composto por gramática,
lógica e retórica. O mundo contemporâneo está totalmente multimidiático. Mas há
determinadas formas de pensamento, habilidades de raciocínio que dependem
crucialmente das habilidades verbais. As crianças têm acesso ao conhecimento multimídia
em toda parte, em casa, na rua e na escola, de manhã até de noite. Uma boa educação pode fazer uma diferença
treinando a criança no domínio das habilidades verbais. Aparentemente, de tão deslumbrada com a multimídia, a escola
tem sistematicamente se recusado a fazer isso. Inclusive as particulares.
Isso sem falar, obviamente, na fluência oral e escrita na
língua inglesa.
Há um deslumbramento inegável com o conhecimento multimidiático.
Não é possível saber com certeza se o conhecimento multimidiático vai
substituir o conhecimento verbal. Só o futuro dirá. Minha desconfiança e de
muita gente é que isso não venha a ocorrer. Fiz um post sobre isso, discutindo as limtações da Base Nacional Comum Curricular atualmente proposta.
Eu acho que além do trivium de artes liberais (gramática,
lógica e retórica) a educação contemporânea deve compreender o trivium de artes
tecnológicas: a) eletrônica para mexer nos aparelhos; b) programação de computador
para fazer os aparelhos trabalharem; e c) matemática para modelar funções implementadas pelos aparelhos.
Aqui no Brasil, o Prof. Carlos Nadalim mantém um blog sobre homeschooling, produzindo materais, orientando as famílias e oferecendo cursos.
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