Desde as invasões das escolas e universidades
brasileiras eu ando incomodado com essa questão da falta de diversidade
político-religiosa, hegemonia do pensamento politicamente correto e ativismo
político na univesidade. Uma coisa é ficar ouvindo colegas expressando posições
políticas como se fossem uma verdade inconteste em reuniões de colegiados.
Outra coisa bem diferente é ter os próprios direitos constitucionais violados pela
implantação de uma agenda política com a qual não se concorda. Acho que a coisa
passou dos limites.
Esse negócio me incomoda de diversas maneiras.
Inclusive porque nessa época do ano eu deveria estar de férias na praia. Ao
invés disso estou aqui passando calor em BH, só porque meus filhos precisam
terminar seu semestre na universidade. Resolvi então estudar esse negócio mais
a fundo e escrever um texto mais refletido. Estou imerso nessa tarefa e tenho
lido muita coisa.
Apregoa-se muito a “diversidade” na universidade. A
diversidade demográfica é utilizada, p. ex., como argumento para justificar
políticas de cotas que violam os princípios de isonomia perante a lei e a
meritocracia. A diversidade pregada restringe-se, entretanto, à características
demográficas tais como sexo, gênero, etnia, classe sócio-econômica etc. A
diversidade política e religiosa virou a Cinderellla da academia. A variação
política e religiosa para o lado direito, ou seja, para o lado errado do
espectro ideológico, é severamente punida. A nova ortodoxia que domina o pensamento
acadêmico contemporâneo é fundamentada na ideologia do politicamente correto. E
violações aos seus princípios são severamente punidas por processos de
groupthinking, tais como o ostracismo, ou até mesmo criminalizadas. São cada
vez mais freqüentes as manifestações de intolerância política, censura e
exigência de medidas institucionais contra os politicamente incorretos que
ousam expressar suas opiniões.
Ao mesmo tempo, a atividade acadêmcia confunde-se
cada vez mais com o ativismo político. O crescimento de correntes de pensamento
que desembocaram no chamado marxismo cultural (ou nova esquerda, ou
pós-modernismo, ou descontrucionismo etc., Scruton, 2015) levou a um
questionamento da neutralidade e objetividade da pesquisa científica. A
pesquisa científica passou a ser desconstruída como uma forma discursiva que
reflete microrelações de poder resultantes da opressão de uma categoria social
sobre outra. Segundo essa concepção, como a busca da verdade através da
pesquisa científica é um projeto inviável e ideologicamente carregado, a única
alternativa para o acadêmico é o ativismo política. O objetivo da universidade
se desvincula da busca de verdade e se traveste de uma busca por justiça
social. Isto é, como promoção de uma agenda política, seguindo o motto de Marx
de que o objetivo da filosofia não deve ser compreender mas transformar a
realidade.
O predomínio do pensamento politicamente correto,
ativismo político e censura aos não-conformistas com a nova ortodoxia se
manifesta de diversas maneiras. Ym caso emblemático é o do Prof. JordanPeterson, que está sofrendo sanções por parte da universidade em Torono por se
recusar a utilizar termos lingüísticos neutros e adequados à ideologia de
gênero.
Mas isso não é coisa só dos gringos não. Nem nisso
conseguimos ser originais. Aqui no Brasil, no ano de 2016 tivemos inúmeras
manifestações desse fenômeno. A principal delas foram as invasões e escolas e
universidades, ocorridas à revelia dos direitos constitucionais dos professores
e estudantes que discordavam das suas motivações e procedimentos políticos. É
curioso constatar como os apóstolos da divergência e do combate ao preconceito
se revelaram preconceituosos e opressores das opiniões contrárias.
O motivo pode estar relacionado ao fato de serem
apóstolos de uma causa e não docentes, pesquisadores e estudantes em busca da
verdade. Na ânsia por implementar sua agenda política, a própria missão da
academia bem como considerações morais pela dignidade, interesses e valores dos
discordantes são colocados em segundo plano. Para promover a justiça social
esse pessoal é capaz de pisar no pescoço da própria mãe.
Os fenômenos relatados acima constituem apenas um
exemplo do desvirtuamento da atividade acadêmica como ativismo político.
Resultam diretamente do fato de que, se a pesquisa isenta e objetiva bem como o
teste de hipóteses são impossíveis, só o que resta é a política. O problema é
que a política se caracteriza por facções rivais cada uma querendo implantar sua
agenda. A política é um exercício de fazer prevalecer uma determinada posição
de forma independente da argumentação lógica e das evidências empíricas. A
política é feita com o fígado e não com o cérebro. Renunciar à pesquisa em
favor da política é o caminho mais certo e curto para o totalistarismo.
Nos últimos dias testemunhamos um exemplo raro de arrependimento
e reconhecimento de erro por enviesamento político por um dos maiores
historiadores da atualidade. Niall Ferguson é professor da Harvard University e
pesquisador da Hoover Institution (http://www.niallferguson.com/). É autor de
vários livros fantásticos, tais como a história da família Rotschild,
Civilização, Império, Colosso, Declinio etc. e mais recentemente uma biografia
de Henry Kissinger. Pois o Ferguson, que havia se posicionado frontalmente contra
o Brexit, acabou reconhecendo que estava errado e que seu posicionamento
derivava em grande parte de sua amizade com David Cameron, ex-premier britânico.
Um raro exemplo de honestidade intelectual.
Felizmente, no mundo inteiro, a comunidade de
pesquisadores está despertando para os perigos do pensamento politicamente
correto e ativismo político na acadêmia. Vou mencionar apenas alguns exemplos,
fornecendo sugestões de leitura, com os links respectivos, sempre que isso for
possível.
van der Vossen (2015) desenvolveu um argumento
filosófico contrário ao ativismo político na universidade. Van der Vossen
defende que a universidade seja uma “torre de marfim” no bom sentido. Ou seja,
no sentido humboldtiano de que a universidade deve ser autônoma em relação à
religião, ao mercado, ao estado e à ideologia de um modo em geral. O argumento
se baseia em um princípio moral de senso comum e em descobertas da psicologia
cognitiva. O argumento do senso comum é que um profissional deve evitar se
envolver com atividades que venham a prejudicar o exercício da sua profissão.
Ora, o ativismo político prejudica a busca da verdade, então o pesquisador pode
ter suas próprias convicções, mas deve aprender a separar sua atividade acadêmica
da sua afiliação política. Por que o ativismo político prejudica a pesquisa? Um
dos principais argumentos é o viés confirmatório, o qual será discutido nos
parágrafos a seguir.
Duarte e cols. (2016) escreveram um artigo genial, o qual foi
publicado como target article seguido de comentários na Behavioural and Brain Sciences.
Eles revisam dados mostrando que as universidades norte-americanas estão cada
vez mais homogêneas politicamente e enviesadas para a esquerda. Isso vale para
a universidade em geral, mas principalmente para as ciências humanas, incluindo
psicologia e especialmente a psicologia social. Vários são os mecanismos
envolvidos na esquerdização da universiade, tais como auto-seleção e
groupthinking, teto de vidro para estudantes com posições não-esquerdistas realizarem
pós-graduação, empecilhos par a aprovação de projetos politicamente incorretos
nos comitês de ética, rejeição pelas instituições financiadoras de pesquisa de
projetos politicamente incorretos, além de ostracismo e franca hostilidade
contra os divergentes.
A hegemonia esquerdista implica em riscos para a
validade da pesquisa. Isso acontece devido a vários fenômenos cognitivos, o
principal dos quais é o viés confirmatório. Nos seres humanos evoluiu uma
heurística segundo a qual o teste de hipóteses é sempre enviesado para as hipóteses
do nosso coração. As evidências favoráveis à hipótese do coração adquirem
salicência cognitiva e cegam o tomador de decisões quanto às evidências
desfavoráveis.
O viés confirmatório pode não se correlacionar com
a inteligência. Duarte e cols. citam um trabalho de Perkins e cols. (1991) no
qual foi observado que a inteligência se correlacionava c om a geração de evidências
hipotéticas favoráveis mas não com a geração de evidências desfavoráveis a uma
hipótese.
A redução do viés confirmatório não é, portanto,
uma questão de esperteza. Para superar o viés confirmatório não basta ser safo.
É preciso desenvolver uma disciplina intelectual que favoreça a
contra-argumentação. Isso aí é o feijão-com-arroz da pesquisa. Eu, p. ex.,
detesto o Paulo Freire. Uma vez quis escrever um trabalho para esculhambar com
o Paulo Freire (Haase et al., 2015). Para isso me obriguei a ler o cara. Apesar
do asco que me causou. O meu trabalho não era politicamente isento. Longe
disso, o meu objetivo era esculhambar o cara. Mas, para esculhambar eu preciso
fazer a construção mais honesta possível dos seus argumentos e evidências para,
eventualmente, desconstruí-los.
E sou obrigado a admitir que o meu texto
desconstruindo o sócio-construtivismo na educação não é um trabalho de
pesquisa. Nâo é porque, ao contrário das minhas pesquisas empíricas, não é
isento. Assim como esse texto aqui não é isento, mas politicamente motivado.
Não acho que seja problemático sem si o pesquisador assumir posições políticas
e expressá-las. Ao contrário, isso é da vida inteligente. O que não pode
acontecer é confundir textos militantes com pesquisa científica.
O enviesamento político pode invalidar o processo
de pesquisa e busca da verdade. O viés pode influir na escolha de temas e
posicionamentos teóricos, na seleção, construção e intetpretação de
instrumentos com base em pressupostos políticos indemonstráveis, bem como na interpretação
seletiva com base apenas nas evidências confirmatórias e negligência das
evidências desconfirmatórias.
No Brasil a situação é agravada pelo fato de que
grande parte da “pesquisa” é conduzida por militantes de uma determinada causa
usando delineamentos muito fracos, como p. ex., versões de pesquisa qualitativa
tais como análise do discurso, pesquisa fundamentada etc. Esses delineamentos
são fracos porque não se utilizam do teste de hipóteses, não consideram a
hipótese alternativa e não permite generalizações. Na maioria das vezes, o
pesquisador parte de um determinado pressuposto e se contenta com as “evidências”
favoráveis, sem usar métodos estatísticos de moastragem e teste de hipóteses
que lhe permitissem excluir a hipótese nula.
Vou contar um causo. Certa vez, um professor visitante alemão foi convidado
para uma banca de mestrado. O trabalho da moça era sobre questões de gênero e
alcoolismo. Ela conduziu uma série de entrevistas com esposas de alcoolistas,
transcreveu e analisou diligentemente os resultados e chegou à conclusão de que
o alcoolismo é uma questão de gênero. O professor visitante causou mal-estar ao
perguntar para a moça: “OK, eu também acho que alcoolismo é uma questão de
gênero. Que alcoolismo tem tudo a ver com gênero. Mas você não considerou a
hipótese negativa. Ou seja, de que alcoolismo não tivesse anda a ver com
gênero:”
O ativismo político na universidade foi questionado
também por um dos principais psicólogos sociais contemporâneos, Jonathan Haidt,
na conferência Hayek pronunciada na Duke University em outubro de 2016. Haidt aprofunda
a discussão desses temas numa aula cujo título é “Why universities must chooseone telos: truth or social justice”.
A universidade precisa escolher uma outra coisa. Ou continua como entidade de
ensino ou pesquisa ou assume o feitio de uma instituição de assistência social
ou promoção da revolução.
Nos EUA é crescente o número de pesquisadores
preocupados com essa questão do enviesamento e ativismo político na
universidade e dos efeitos potencialmente nefastos sobre a pesquisa.
Pesquisadores de diversas tendências políticas se congregaram em um site, a
Heterodox Academy, que procura discutir e chamar
atenção para essas questões. É o que estou procurando fazer aqui também. O
preço que se paga por abrir a boca é alto. Mas o preço de ficar de boca fechada
é mais alto ainda.
Questionar o enviesamento e ativismo político na
universidade e a utilização de delineamentos fracos de pesquisa apenas parece nas
não é novidade. Na verdade isso tudo é café requentado. Hà muitos anos fiquei
agradavelmente surpreso ao ler umas observações em um livro de metodologia de
pesquisa para a área da educação (Ales-Mazziotti & Gewandsznajder, 1999).
Gostei tanto do negócio, que resolvi transcrever o trecho e guardá-lo. Aí vai.
Digam-me se os autores não estão descrevendo tim-tim por tim-tim um tipo de
pesquisa e uma tipo de comunidade acadêmica muito prevalente no Brasil.
“A pobreza teórico-metodológica é, em grande parte,
responsável pela pulverização e irrelevância dos temas escolhidas, e também pela
adesão a modismos e pela preocupação com a aplicabilidade imediata dos
resultados.
“O pouco conhecimento das discussões
teórico-metodológicas travadas na área faz com que muitos pesquisadores fiquem
restritos à sua própria prática, dela derivando o seu problema de pesquisa e a
ela buscando retornar com aplicações imediatas dos resultados obtidos.
“O fato de que esses estudos costumam ser restritos
a uma situação muito específica e de que a teorização se encontra ausente ou é
insuficiente para que possa ser aplicada a situações semelhantes resulta na
pulverização e irrelevância desses estudos.
“Finalmente, o pouco interesse que tais estudos
despertam é explicado pelas características anteriormente apontadas, e, por sua
vez, explica seu pouco impacto na prática mais ampla” (Alves-Mazziotti &
Gewandsznaider, 1999).
Enquanto isso, as nossas instituições de fomento à
pesquisa teimam em despejar dinheiro nesse tipo de projeto. E quando os
pesquisadores enviam para o Comitê de Ética um projeto de pesquisa com um
delineamento quantitativo, com hipóteses bem formuladas, com um modelo
estatístico apropriado, com tamanho amostral minimamente aceitável e considerando
hipóteses biologicamente fundamentadas são muitas vezes obrigados a dar satisfações
a pareceristas politicamente enviesados que abjuram a metodologia quantitativa,
o teste de hipóteses e o naturalismo nas ciências comportamentais. A nova
ortodoxia só aceita o determinismo sociológicos. Modelos multicausais
epigenéticos, que investigam a interação entre múltiplas influências ambientais
e genéticas sobre fenômenos comportamentais complexos, são do mal.
Referências
Alves-Mazzotti,
A. J.; Gewandsznajder, F. (1999). O método nas ciências naturais e
sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira.
Duarte,
J. L., Crawford, J. T., Stern, C., Haidt, J., Jussim, J., Tetlock, P. E.
(2015). Political diversity will improve social psychological science.
Behavioral and Brain Sciences, 38, e164 (doi:10.1017/S0140525X14000430, e130).
Haase, V. G., Júlio-Costa, A., & Lopes-Silva,
J. B. (2015). Por que o construtivismonão funciona? Evolução, processamento de informação e aprendizagem escolar.
Psicologia em Pesquisa – UFJF, 9, 62-71.
Haidt,
J. (2016). Hayek Lecture: Why universities must choose one telos: truth orsocial justice. Durham, NC: Center for the History of Political Economy, Duke
University
(retrievend on January 2nd, 2017).
Scruton,
R. (2015). Fools, frauds, and firebrands: thinkers of the new left. London:
Bloomsbury Academic.
Van
der Vossen, B. (2015). In defense of the ivory tower: Why philosophers should
stay out of politicis? Philosophical Psychology, 28, 1045-1063.
Supimpa seu texto, Vitor. Ele descreve exatamente o que vem ocorrendo na universidade há décadas. Me espanta saber que no exterior ocorre a mesma coisa.
ResponderExcluirCara, lá no exterior é pior ainda. Mesmo. Virou um nojo. Os caras aqui nãos ão originais nem nisso. Eles são anti-americanos até a medula, mas não se pejam de imitiar os gringos. Uma grande diferença, entretanto, é que lá nos EUA há toda uma opinião e ativismo conservadores que procura resistir bravamente. O mesmo não acontece na Europa. A Europa se rendeu ao multiculturalismo. Puro sentimento de culpa. Culpa à toa. Não existe civilização que não tenha cometido seus pecados. O Ocidente nunca foi dos piores e vem aprendendo.
ExcluirEu achei o texto incrível! Inclusive a minha percepção deste cenário me deixa bastante confuso. Como me formei em um curso de humanas (psicologia), certas 'metodologias' de investigação foram ensinadas. Sou um analfabeto em métodos quantitativos, embora gostaria de trabalhar com pesquisa. Não sabe como me brocha o desejo de partir para pós-graduação e sentir que não vale à pena. Os trabalhos na área de humanas não escondem o seu ativismo, todo artigo tem um tom de "Manifesto Comunista", subindo na mesa e apontado o dedo nos problemas. E claro, a solidão que provoca naqueles que gostam de debruçar-se sobre questões, debatê-las com prudência e trocar com os colegas :/
ResponderExcluirExiste um teto de vidro que impede os não-esquerdistas de progredir na academia.
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