terça-feira, 17 de julho de 2018

QUEM É (MAIS) CONTRA A CIÊNCIA, A DIREITA OU A ESQUERDA?

Fuçando na revista Quillette descobri um artigo muito interessante do Keith Stanovich, procurando responder a pergunta sobre a racionalidade dos eleitores do Trump. 


Confesso que fiquei agradavelmente surpreso. O Stanovich é professor da Universidade de Toronto, um figurão da psicologia. Um pesquisador de mérito inquestionável. Ele trabalha basicamente com a aprendizagem da leitura e com a psicologia do pensamento. Tenho certas reservas com ele. O Stanovich tende a reduzir o papel da inteligência na aprendizagem da leitura. Faz parte desse time. Hoje descobri outro ensaio seu, usando a psicologia do pensamento, a teoria dos jogos e a teoria das decisões para analisar a questão da política de identidades. Juraria que ele fosse de esquerda. Ao menos moderada. Mas, a partir dos seus artigos dá pra ver que, se ele é de esquerda, é de uma esquerda bem iluminada. 

Como a esquerda monopoliza a imprensa e a academia, tende a menosprezar a inteligência dos adversários à direita, colocando ainda mais evidência o seu autoritarismo. Isso já lhe custou muito caro: a eleição do Donald Trump. Toda uma fracão do eleitorado americano que não concorda com as teses da política de identidades esposada pelo Partido Democrata acabou se vendo forçada a votar no Trump. Independentemente de gostar ou não do Trump.

O Stanovich não é o primeiro autor a chamar atenção para isso. Mark Lilla (2017) escreveu um belíssimo livro sobre o assunto. A exacerbação do antagonismo político propiciada pela política de identidades está afugentando o eleitorado. E a coisa vai piorar, se os Democratas não acordarem.

No artigo mais recente sobre a política de identidades, Stanovich se utiliza da teoria dos jogos para destroçar a política de identidades. Se o cara não concorda com a ideologia de gênero, ele é automaticamente rotulado como “preconceituoso” e “fascista”. Daí o cara vai pra direita. Empurrado mas vai. Chega lá na direita e vê que não é tão ruim assim. Que tem vida inteligente na direita e que tem gente muito decente na direita.

A esquerda força uma categorização demográfica das pessoas, negligenciando todos os outros aspectos da sua identidade. Como ela domina a imprensa e a academia, acaba estabelecendo as regras do jogo. Mas a esquerda não tem o menor controle sobre as estratégias que as pessoas usam para jogar esse jogo por ela constrangido. Ao impor suas regras, os esquerdistas acabam se esquecendo de que tem ética e vida inteligente na direita também. 

Algumas frases do Stanovich são verdadeiras pérolas: ”What the identity-politics Left has failed to appreciate is that they don’t have the right to assign an identity to their opponents”.  O que eles podem fazer se os “direitistas” resolverem jogar o jogo da cidadania e construir sua identidade não em função de categoria demográficas mas sim em termos de ideais?

“The identity Left may be able to dictate the game, but they can’t dictate how the other side play”. A teoria dos jogos ensina que é possível constranger o adversário. Mas nem porisso ele deixará de se comportar de modo estratégico. Quando a esperteza é demais, ela vira bicho e come o dono. 

No artigo de 2017 o Stanovich coloca uma outra questão muito interessante: a racionalidade dos eleitores do Trump. Parece que os esquerdistas também subestimam a inteligência dos eleitores do Trump. A análise do Stanovich gira em torno de dois tipos de racionalidade: instrumental e epistêmica. O comportamento dos eleitores do Trumpo não foi irracional quando considerado por qualquer uma das duas.

A racionalidade instrumental consiste em o indivíduo utilizar-se de todos os meios cognitivos para analisar a situação e tomar decisões que maximizem sua utilidade. O problema é que o conceito de utilidade é muito subjetivo. A utilidade não significa necessariamente ganho material ou ganho pessoal. O ganho pode ser simbólico, relacionado à promoção ou defesa de valores, ao bem comum. O eleitor mais pobre que vota contra a intervenção estatal - cortando portanto sua chance de se beneficiar do welfare state - pode estar mais interessado na defesa dos seus valores relacionados à família, religião etc. Isso não é burrice.

A racionalidade epistêmica diz respeito à adequação entre o processamento cognitivo e a realidade. A direita é tida como inimiga da ciência. Basicamente porque alguns setores de direita se opõem ao catastrofismo climático e outros não aceitam a teoria da evolução. Será mesmo que é só a direita que se opõe à ciência?

O Stanovich cita então uma meta-análise procurando ver quem é mais enviesado epistemicamente, a direita ou a esquerda (Ditto et al., 2018). A resposta é: ambos. Mas a coisa é pior ainda. A posição default ou “intrinsic thesis" na psicologia social é que as pessoas que subscrevem posições à direita são, na melhor das hipóteses burras, ou na pior, mal-intencionadas. A “pesquisa” se transforma então em profecia auto-realizável (Duarte et al., 2015).

Ele cita então um livro muito interessante, analisando os preconceitos científicos da esquerda (Berezow & Campbell, 2012). O catálogo é impressionante. Entre outras falácias de “ser do bem”, Berezow e Campbell elencam as seguintes:

Negar a importância psicossocial e herdabilidade da inteligência;

Negar ao fato de que crianças criadas em famílias mono-parentais  (i.e., sem uma figura paterna) apresentam mais diificuldades de adaptação psicossocial (dificuldades de aprendizagem, problemas de comportamento, comportamentos de risco etc.);

Defender o bem-estar das crianças e ser contra a vacinação;

Negar a existência de diferenças biológicas entre os sexos e, ultimamente, negar a própria existência do sexo biológico e criar uma fantasia chamada “gênero”; 

Insistir em que as mulheres seriam supostamente discriminadas na academia e no mercado de trabalho;

Opor-se ao uso de métodos instrucionais na educação;

Acreditar que alimentos transgênicos fazem mal à saúde;

Recusar-se a aceitar o consenso econômico de que a intervenção estatal (excessiva) bagunça o mercado e acaba prejudicando os mais pobres.

A lista poderia ser mais longa. Stanovich parece acreditar, p. ex., no conto vigário do aquecimento global. Eu já tenho minhas dúvidas. Os cientistas-ativistas que defendiam essa hipótese fizeram o que podiam e o que não podiam para desmoralizá-la, para reduzir sua credibilidade científica. 

Reparem que eu não falei nada sobre a Universidade. Sobre as idéias pós-modernas segundo as quais a) a objetividade científica é uma miragem, b) a ciência se reduz a um discurso cujo objetivo é legitimar relações opressivas de poder, c) ao invés de buscar a verdade ou o conhecimento mas transformar a realidade social.

Quem é mais burro? Quem é mais preconceituoso?

REFERÊNCIAS

Berezow, A. & Campbell, H. (2012) Science left behind. Feel-good fallacies and the rise of the anti-scientific left. New Yorks: PublicAffair.

Ditto, P. H., Liu, B. S., Clark, C. J., Wojcik, S. P., Chen, E. E., Grady, R. H., ... & Zinger, J. F. (2018). At least bias is bipartisan: A meta-analytic comparison of partisan bias in liberals and conservatives. Perspectives on Psychological Science, 1745691617746796.

Duarte, J. L., Crawford, J. T., Stern, C., Haidt, J., Jussim, L., & Tetlock, P. E. (2015). Political diversity will improve social psychological science. Behavioral and Brain Sciences, 38, 1-58, e130. doi:10.1017/S0140525X14000430

Lilla, M. (2017). The once and future liberal. New York: Harper.

Stanovich, K. E. (2017). Were Trump voter irrational? Quillette.


Stanovich, K. E. (2018).  What is the tribe of the anti-tribalists? Quillette.

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