Recentemente,
eu me diverti demais lendo um livro do Roger Scruton (2015), intitulado “Fools,
frauds, and firebrands: thinkers of the new left”. O livro é divertido por muitos
motivos. Um dos mais importantes é o tom irônico do autor, que realmente
escreve muito bem. E sabe mangar dos esquerdistas com um humor muito fino.
Esse
livro é uma reedição e atualização da edição anterior e descreve o processo de
conversão conservadora do Scruton. Ele estava lá em Paris no Maio de 1968 e testemunhou o pessoal arrancando
paralelepípedos e jogando nos carros e na polícia ou simplesmente tocando fogo
nas coisas. A galera estava contra tudo e contra todos. Tal como a Dilma, ou
como os Black Blocks eles estavam fazendo o Diabo.
Qualquer
motivo serve para a revolta de quem não tem motivos para se rebelar. O Scruton
sentiu-se alienado daquele processo. Não conseguia entender o sentido de tudo
aquilo. Talvez a coisa não tivesse sentido mesmo.
O
livro do Scruton analisa a base ideológica daquela revolta que perdura até os
nossos dias. A base “filosófica” (se é que se pode chamar assim) do Maio de 68
e do que veio e continua vindo depois pode ser encontrada em autores como
Gramsci, Sartre, Foucault, Lacan, Althusser, Derrida, Deleuze, Brown, Marcuse
etc. etc. São os chamados pensadores da “Nova Esquerda”.
Os
quais de pensadores não têm muita coisa não. O “pensamento” deles se resume a
“se existe alguma coisa e eu não gosto, então sou contra e fico inventando
historinhas para atribuir os objetos do meu desgosto a maquinações
capitalistas, sexistas etc.” Todo chinelo que não calça o meu pé-torto é uma
maquinação fascista.
O
tal pensamento da nova esquerda é uma coisa monomaníaca mesmo e faz parte de um
processo mais amplo de Marxismo Cultural, cujo objetivo é “problematizar” ou “descontruir”
todas as tradições culturais do Ocidente, analisando-as em termos de relações
de poder, de opressão etc. etc.
Com
quais finalidades? O objetivo último parece ser preparar os corações e mentes
para a revolução, a qual é uma inevitabilidade histórica que destruirá tudo o
que existe, sem deixar pedra sobre pedra. Toda a Cultura Ocidental precisa ser
destruída para que o Paraíso na Terra possa ser construído. Ou apenas para que
os ofendidinhos e ressentidinhos possam descarregar suas magoinhas com o
“Sistema”.
A
leitura do livro do Scruton sobre os bobos, impostores e arsonistas teve um
sabor todo especial para mim. Os autores analisados constituiram a dieta ou
ração intelectual básica durante boa parte da minha juventude.
Quantos
anos da minha vida eu perdi lendo essas besteiras! Fico apavorado só de pensar.
Ao mesmo tempo fico aliviado por ter conseguido escapar desse jugo interior.
Naquela
época não era coisa trivial encontrar essa literatura. Na época do Regime
Militar havia uma certa censura. Os livros eram publicados apenas se escapassem
ao crivo vigilante porém intelectualmente canhestro dos censores. Muita coisa a
gente tinha que procurar em algumas livrarias especializadas, quase
clandestinas e que vendiam livros contrabandeados. Ou então tinha que comprar pessoalmente
na Argentina e por aí vai.
Mas
o irônico mesmo da história é que aquela literatura que era subversiva na minha
mocidade acabou se constituindo em uma nova ortodoxia. A maior prova que eu
tenho disso é uma questão do ENEM.
Um
dos meus filhos, em um dos tantos ENEMs da vida que eles fizeram para poder
entrar na UFMG, errou uma questão determinada apenas porque ele não conhecia
Michel Foucault.
Quando
ele me mostrou a questão e a alternativa que havia escolhido, eu quase tive um
chilique. Como é que ele foi errar uma questão que era ridícula de tão fácil?
Fácil para quem saca o Michel Foucault. Difícil, quase impossível para ele que
nunca tinha ouvido falar em Foucault e que passou a quilômetros de distância
dessa besta-fera.
Eu
me consolei pensando assim: “Ainda bem que ele errou essa questão. Uma questão
a mais, uma a menos... Sempre dá pra fazer o ENEM de novo. É melhor errar uma
questão do que perder seu tempo com essas besteiras. Ponto pro moleque, que até
aquele momento tinha se mantido virgem desse tipo de asneira”.
Ao
meu ver, isso demonstra de forma cabal o fato, justamente, de que a subversão
de ontem se transformou na ortodoxia de hoje. O ambiente acadêmico nas
universidades do mundo todo anda muito empobrecido. Não é apenas no Brasil não.
É no mundo todo. A academia é dominada por um viés esquerda.
Os
“acadêmicos” ficam falando em “alteridade”, “diversidade” disso e daquilo,
expressão da própria “subjetividade” etc. etc. Mas a gama de variação permitida
para a expressão da alteridade vai do centro para a extrema esquerda apenas.
Opiniões discordantes, mais à direita, são invariávelmente coibidas e taxadas
de fascistas, nazistas ou coisa pior.
O
ambiente político é quase irrespirável na academia. Se vou a alguma reunião de
comitê ou a alguma ocasião social, preciso ficar me policiando. Vai que eu falo
alguma coisa politicamente incorreta? Vai que eu questiono algum dogma
esquerdista ou emito alguma opinião conservadora? O mal-estar causado é geral e
imediato. Desce um bafo de gelo e eu fico me sentindo o último dos mortais, uma
espécie de leproso. Quando não sou xingado diretamente de nazista ou admoestado
pela minha falta de compostura...
Felizmente,
porém gradualmente o clima está mudando. O gelo soviético está derretendo. A
opinião pública brasileira está abrangendo um espectro mais amplo de opiniões.
Basta citar o trabalho de alguns formadores de opinião, tais como Reinaldo
Azevendo, Joice Hasselmann, Olavo de Carvalho, Luiz Felipe Pondé, Denis
Rosenfield, Marco Antônio Villa e muitos outros.
A
hegemonia do marxismo cultural rompeu-se. Ainda é vexaminoso citar determinados
autores. Mas o gelo está derretendo e o monopólio da opinião vai se
esfarelando. Os sucessivos escândalos de corrupção bem como os “coxinhas” da
“elite golpista” na rua certamente estão contribuindo para isso.
Referências
Haidt, J. (2011). The
bright future of postpartisan social psychology. San Antonio: Society for
Research on Personality and Social Psychology
(http://people.stern.nyu.edu/jhaidt/postpartisan.html).
Haidt, J. (2012). The
righteous mind. Why good people are divided by politics and religion. New York:
Pantheon.
Scruton, R. (2015).
Fools, frauds and firebrands. Thinkers of the new left. London: Bloomsbury.
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