Nas universidades brasileiras
está ocorrendo um patrulhamento ideológico por grupos que agem como se fossem
uma espécie de polícia dos costumes, reminescente daquela criada pelos aiatolás.
Esse pessoal fica vasculhando blogs de professores heterodoxos, à cata de
manifestações de uma nova categoria de ilícito, o crime de opinião. Muitas
vezes, os professores são até mesmo fisicamente constrangidos ao tentarem dar
aulas ou então constroem-se barricadas na porta dos gabinetes dos professores
que não se conformam à ditadura do pensamento de esquerda.
Essas coisas existem há muito
tempo. Opiniões heterodoxas causam mal estar entre colegas, expressões da ortodoxia esquerdista são tratadas como se
fossem uma questão consensual,
professores heterodoxos são ostracizados, quando não viram alvo de
execração pública, crenças religiosas são alvo de chacota, inclusive em sala de
aula etc. O catálogo de chicanas é extenso demais para ser descrito em
detalhes.
Há mais de vinte anos, quando eu
comecei a dar aulas em uma universidade federal, ao andar pelo corredor, o
pessoal gritava assim pra mim: “Oh, seu positivista!”. Eu achava que era
elogio. Apesar de não ser positivista, tenho em alta conta o positivismo
lógico. Agora eu ando pela universidade e ouço gritos: “Ei, seu fascista!”.
Finalmente, a ficha caiu. Agora entendo que não era elogio, mas sim um
xingamento da pior espécie. Até um burro velho como eu acaba aprendendo alguma
coisa. O desprezo com o qual muitos professores extremamente produtivos são
tratados na universidade contrasta com a consideração e manifestações de reconhecimento,
apreço e admiração que recebem de colegas em congressos e sociedades científicas
da sua especializade. Será que, por trás da execração pública não se esconde
uma pontinha de inveja?
Nos últimos tempos o
patrulhamento ideológico na Academia Brasileira aumentou de intensidade. O
clima está tenso, o debate intelectual e científico morreu. A pesquisa e busca da verdade e compreensão da realidade
foram substituídas pela “transformação da realidade”, pela instrumentalização
política da atividade “acadêmica”. Ao invés de vir para a universidade com o
intuito de dar aulas, formar profissionais e pesquisadores, fazer pesquisa etc.
muitos colegas pretendem dar continuidade às lutas da sua juventude no
movimento estudantil. É como se ainda vivêssemos sob uma ditadura, como se não
tivéssemos construído um regime democrático e constitucional, ainda que
imperfeito.
Por mais imperfeita e corrupta
que a nossa política seja, nossa missão não é destruí-la e sim aperfeiçoá-la. A
Constituição de 1988 é um legado que recebemos das gerações que nos antecederam
e lutaram pela democracia no Brasil. Um legado das nossas lutas na juventude.
Nós não podemos romper a ordem institucional em favor de projetos temerários e
totalitários que, inevitavelmente, terminam em fracasso e miséria humana,
quando não em genocídio. Vide o exemplo mais recente da Venezuela. Eu não gosto
muito da Constituição de 1988. Mas é que temos. É a que herdamos. E eu não
estou disposto a jogar a Constituição na lata do lixo.
Mas isso só é novidade no Brasil.
Nos EUA, essa onda politicamente correta é caudatária das revoltas da Década de
60 e está asfixiando progressivamente o clima intelectual (Kimball, 2000). O
clássicos do pensamento, literatura e arte são “desconstruídos” como artimanhas
de dominação das classes dominantes e diletantes intelectual, mediocridades e
vigaristas são erigidos em gurus do pensamento politicamente correto. A ciência
e a busca da verdade são impossíveis. Toda a ciência se reduz a um discurso de
dominação de classe, gênero, raça etc., que precisa ser desconstruído. Que
pobreza intelectual! Um dos fenômenos mais lamentáveis é a proliferação dos
cursos de graduação em “estudos” disso ou daquilo. Cursos esses que são uma
porcaria, nos quais os estudantes não aprendem a pensar, apenas a repetir e
cultivar mantras ideológicos. Depois, como não aprendem nada de útil, nada que
lhes permita uma inserção no mercado, só lhes resta a reinserção na Academia ou
o vitimismo pelo sub- ou desemprego.
É interessante observar que esse
fenômeno cultural não passa de um para-efeito da democracia. Só a democracia
capitalista é tolerante com as forças críticas, que muitas vezes querem
destruí-la, carregando em si as sementes do totalitarismo. A Academia burguesa
tem sido mais do que tolerante com o ovo da serpente. A ponto de que a própria
liberdade de pensamento está sendo colocada em risco.
O clima em muitas universidadesamericanas está irrespirável. Qualquer comentário mais crítico ou,
eventualmente, alguma piadrinha ou grosseria contra alguma categoria de
pensamento ou identidade é causa de mimimi e motivo para sindicâncias, sanções
disciplinares etc.
Note-se: Mesmo que as supostas “ofensas” fiquem no nível abstrato, que ninguém
seja explicitamente mencionado, elas não deixam de causar a mais veemente,
agressiva e intolerante reação. Erigiram algumas categorias de pensamento que
viraram vacas sagradas do politicamente correto. É o crime categorial. Ou seja,
usar as categorias erradas de pensamento.
Uma série de revoltas de alunos,
ocorridas nos campi Americanos no ano passado, tinha o objetivo, entre outros,
de exigir das autoridades universitárias a instauração de processos disciplinase medidas reeducativas para os criminosos de opinião, infratores da ideologia
politicamente correta ().
Freqüentemente, esses protestos descambaram para a violência,
Muitas administrações
universitárias nos EUA cederam a esse vitismo e programas reeducativos em
correção política foram instituídos. Tudo isso é reminescente da Revolução
Cultural Chinesa ou das famosas “auto-criticas” comunistas. Apesar de muita
gente inocente ou mal intencionada insistir que o comunismo morreu. O clima
está, realmente, sufocante, impeditivo de um debate, do cultivo da diversidade
de opiniões político-religiosas.
Essas coisas são novidade apenas
aqui no Brasil. Nem nisso o pessoal da esquerda consegue inovar. Apesar de
serem declaradamente anti-americanos, até nisso eles acabam imitando os
americanos, ainda que com atraso.
Felizmente, nos EUA já se esboça
uma reação contra o politicamente correto. Uma matéria publicada no New York
Times esse ano relata que os alumni (ex-alunos) estão suspendendo as doaçõespara diversas universidades norte-americanas por não concordarem com o
patrulhamento ideológico e restrição ao debate científico e intelectual.
É importante ressaltar, que nos EUA, as doações de ex-alunos constituem uma
importante fonte de financiamento para as universidades.
Uma outra iniciativa foi a
fundação de um site denominado Heterodox Academy.
A Heterodox Academy congrega cientistas eminentes de diversas áreas do
conhecimento e com diversas orientações políticas. Seu objetivo comum é
promover a liberdade de opinião e a diversidade política e religiosa nos campi
americanos. Uma das iniciativas da Heterodox Academy foi criar um ranking da
liberdade de pensamento nas universidades americanas: http://heterodoxacademy.org/resources/guide-to-colleges/
Jonathan Haidt, um destacado
psicólogo social, é um dos pesquisadores que participa dessa iniciativa
heterodoxa. Recentemente, Haidt ministrou a conferência Hayek na DukeUniversity, na qual ele se pergunta sobre os objetivos da universidade: A
universidade existe para descobrir a verdade ou para promover a justiça social?
Ou seja, a universidade é uma instituição que se propõe a compreender a
realidade ou a transformá-la? O principal problema é que quando esses dois
objetivos entram em conflito, quem paga o pato é a verdade.
Será que não está na hora de nós,
pesquisadores, professores e alunos heterodoxos brasileiros imitarmos os
norte-americanos e nos congregarmos, ainda que informalmente?
Referência
Kimball, R. (2000). The long march: how the
revolution of the 1960s changed America. San Francisco: Encounter.
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