O meu conhecimento do Direito se resume ao que
aprendi nos filmes e séries norte-americanos de tribunais. Lá sempre tem alguém
que pergunta assim: “Cui bono?” A quem interessa? Vou analisar essa questão no
que diz respeito à atual onda de invasões de escolas e universidades que assola
o País. Começarei por examinar a quem as invasões NÃO interessam. A perspectiva
que adoto é, inevitável e assumidamente, pessoal e intuitiva.
As invasões não interessam aos professores que
querem trabalhar
O motivo alegado das invasões é a luta pela
melhoria da qualidade do ensino, a qual estaria ameaçada por medidas de
contenção de despesas propostas ao Congresso pelo Governo Federal. Acho
paradoxal que alguém queira lutar pela melhoria do ensino impedindo os
estudantes de estudar e os professores de trabalhar.
Mas as invasões não afetam a todos da mesma
maneira. Dependendo da área em que o professor trabalha, tanto faz se a
faculdade está invadida ou se ele está em greve ou não. Dependendo da sua área
de especialização, muitos professores podem continuar trabalhando
sossegadamente em casa. Produzindo seus artigos e livros, orientando seus
alunos de IC e PG com a mesma ou, talvez, melhor qualidade.
Em outras áreas de trabalho é bem diferente. Os
professores e alunos dependem do funcionamento de laboratórios e de
ambulatórios para realizar suas pesquisas. Dependem do livre acesso de
colaboradores e pacientes. Dependem de equipamento e financiamento. Têm prazos
para cumprir, precisam fazer prestações de contas e relatórios. Tem gente que
fica falando em democracia, diversidade, alteridade e outras palavras chiques e
de significado obscuro. Mas não se peja em patrolar os outros.
Há diferenças também no que diz respeito à fase da
vida e da carreira. Professores engajados e produtivos no apogeu ou no fim da
carreira podem, muitas vezes, ser absorvidos no trabalho, quer seja pela
gratificação intrínseca em pesquisar e ensinar, quer seja por uma sensação de
urgência ou necessidade de completar uma obra de décadas antes de se aposentar.
Será que docentes produtivos, pesquisadores, envolvidos em projetos de pesquisa
e de extensão cientiifca e socialmente relevantes são obrigados a se submeter
aos ditames de uma agenda política com a qual não concordam? Isso é democracia?
O meu sentimento é de mais profunda revolta. Estou
sendo impedido de fazer aquilo para o qual o pagador de impostos me remunera,
sendo a razão do meu sustento e da minha família. Estou sendo impedido de
exercer um ofício e uma missão para os quais me preparei e investi décadas de
trabalho e os quais acredito serem importantes, tanto que fui incumbido pelo
estado e investido da função que exerço como sevidor público. Sinto-me
desprezado. Sinto que o meu trabalho é irrelevante frente a uma agenda
política. Na minha perspectiva, como professor, as invasões somente atravancam
a ciência. Os invasores e seus atiçadores ficam fazendo mimimi, queixando-se de
falta de verbas etc., mas não se pejam em atrapalhar a vida de quem está
trabalhando pelo progresso da ciência e do País.
As invasões não interessam aos estudantes que
querem estudar
Ao manifestar veementemente minha inconformidade
pelo fato de estar sendo impedido de trabalhar, poder-se-ia me acusar de falta
de compromisso com o ensino. Como aliás, isso é inevitavelmente feito,
inclusive através de perfis fakes no FaceBook. Nada mais falso. Tanto os perfis
quanto as acusações.
A antinomia entre ensino e pesquisa é equivocada.
Ela somente se aplica aos cursos profissionalizantes de nível superior, nos
quais não se faz pesquisa. O sistema de universidades federais brasileiro se
orienta pelo ideal de universidade humboldtiana.
A realização do ideal pode não ser perfeita, mas a tentativa é honesta. A universidade humboldtiana se fundamenta nos principios de universalidade (do conhecimento, dos valores, da busca da verdade), Bildung (formação), autonomia (para fazer pesquisa não-aplicada), liberdade de cátedra, meritocracia e unidade entre ensino-pesquisa-extensão.
A realização do ideal pode não ser perfeita, mas a tentativa é honesta. A universidade humboldtiana se fundamenta nos principios de universalidade (do conhecimento, dos valores, da busca da verdade), Bildung (formação), autonomia (para fazer pesquisa não-aplicada), liberdade de cátedra, meritocracia e unidade entre ensino-pesquisa-extensão.
A unidade ensino-pesquisa ocorre quando os alunos
aprendem pesquisando e pesquisam aprendendo. Por sua vez, a unidade
ensino-extensão ocorre quando os estudantes aprendem prestando serviços e
prestam serviços aprendem. Um dos mais belos exemplos de unidade
ensino-pesquisa é a iniciação científica (IC) brasileira, para ficar apenas no
caso da graduação. A IC brasileira é ímpar. Raramente em países da Europa, p.
ex., os estudantes de graduação têm a oportunidade que os estudantes
brasileiros têm, de por a mão na massa.
Na IC os alunos se confrontam com problemas reais,
os mesmos problemas de pesquisa que são enfrentados pelos seus orientadores. Têm
oportunidade de trabalhar em todos as etapas de um projeto de pesquisa, do seu
planejamento à divulgação, passando pela coleta de dados e análise estatística.
A maior realização de um professor é acompanhar o desenvolvimento dos seus
alunos de IC, progredindo de estudantes para profissionais e/ou docentes e
pesquisadores. Um processo semelhante ocorre em relação à extensão. Em áreas
aplicadas, como as ciências da saúde, a pesquisa depende da extensão, sendo os
três tipos de atividade, ensino, pesquisa e extensão, indissociáveis.
A IC é o grande diferencial das universidades
federais brasileiras. Algumas faculdades particulares conseguem, por vários
motivos, oferecer uma qualidade de ensino em sala de aula superior ao que é
ministrado nas universidades federais. Mas, no Brasil, com raríssimas e
honrosas exceções, apenas as universidades federais procuram cultivar a unidade
entre ensino, pesquisa e extensão. A redução de ensino às atividades em sala de
aula parte de uma concepção muito limitada do que seja o ensino universitária e
mais limitada ainda do que acontece nas universidades federais.
A IC não é importante apenas para a formação de
pesquisadores e futuros docentes. Em muitas áreas do conhecimento, tais como as
ciências da saúde, se trabalha atualmente com um modelo de prática
profissionais baseada em evidência. Trata-se de um postulado ético, segundo o
qual o profissional de saúde deve fundamentar suas decisões diagnósticas e
terapêuticas nas melhores evidências disponíveis. Na IC o futuro profissional
de saúde aprende a utilizar-se do método científico, aplicando procedimentos de
testagem de hipóteses na sua prática profissional. Entre outros, esse é um dos
motivos pelos quais os profissionais oriundos das universidades federais
brasileiras são tão destacados no País e no exterior. A IC não é importante
apenas para os futuros pesquisadores, mas para os futuros profissionais e seus
clientes também.
As atuais invasões que ocorrem nas universidades
federais brasileiras não estão privando os alunos de graduação e pós-graduação
das atividades em sala de aula apenas. Por mais importante que a sala de aula
seja, ela não se reveste da riqueza como
oportunidade de aprendizagem proporcionada pela pesquisa e pela extensão. Quem esposa
uma concepção estreita, reducionista, do ensino como sala de aula não tem nem
idéia do que os nossos estudantes estão perdendo com essas invasões. Considerando
o que foi acima exposto, é possível até mesmo considerar ofensivas insinuações
de professores pesquisadores estão preocupados apenas com suas carreiras ou
publicações, eventualmente descuidando do ensino, principalmente do ensino de
graduação. O ensino não ocorre apenas na sala de aula. Ocorre também, e
principalmente, nos laboratórios e ambulatórios.
Mas, até agora só discuti os efeitos sobre o ensino
de forma genérica. Nas boas universidades federais, a maioria dos alunos faz
IC. Mas tem aqueles que precisam trabalhar e não podem se dedicar a IC. Será
que as invasões atendem a seus interesses? Ontem, domingo, fui almoçar com a
família em um restaurante. Fui atendido por uma aluna que está trabalhando lá.
Fiquei pensando assim: Será que as invasões estão atendendo aos interesses
dessa estudante? Ela é de outra cidade e precisa trabalhar para se manter
enquanto estuda. Por ora, enquanto durarem as invasões, ela estará apenas
trabalhando para se manter, sem poder estudar...
A quem interessam, então, às invasões?
As invasões interessam apenas àqueles radicais de
esquerda que querem impor de forma anti-democrática sua agenda política. Uma
agenda política que é majoritariamente rejeitada pela população. Depois de 14
anos no governo, esse pessoal foi democraticamente afastado por incompetência e
corrupção inauditas. Nâo se conformam e querem desestabilizar o atual governo.
Atual governo que, mal ou bem, está tentando tirar o Brasil do buraco.
Democracia para essa turma é quando eles ganham as
eleições. Quando o Lula estava no auge da popularidade, eu só me sentia
solitário. Nenhum “coxinha” invadiu qualquer prédio público ou privado. Agora
que o engodo se revelou e eles estão sendo rejeitados pela opinião pública,
agem de forma autoritária e procuram sabotar por todos os meios o processo de
recuperação do estrago que fizeram.
Mas isso não é novidade nenhuma. Sempre foi assim.
Abstiveram-se da eleição no Colégio Eleitoral que elegeu o Tancredo Neves, não assinaram a Constituição
de 1988, tentaram sabotar de tudo quanto é jeito o Plano Real – inclusive
exigindo o impeachment do então Presidente -, afundaram o País pela sua
incompetência e roubalheira. Essa gente tem uma folha impressionante de
desserviços ao País. Sempre que podem se posicionar contra alguma medida que
possa resultar em progresso social e econômico, eles não exitam em se perfilar
do lado errado. Do lado que tenta sabotar as instituições e o progresso. E
agora saem por aí, gritando “golpe!” e invadindo escolas e universidades. Ficam
brincando de resistência à ditadura. Cadê a ditadura?
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