terça-feira, 3 de janeiro de 2017

POR QUE E COMO A FALTA DE DIVERSIDADE E O ATIVISMO POLÍTICO PREJUDICAM A UNIVERSIDADE?



Desde as invasões das escolas e universidades brasileiras eu ando incomodado com essa questão da falta de diversidade político-religiosa, hegemonia do pensamento politicamente correto e ativismo político na univesidade. Uma coisa é ficar ouvindo colegas expressando posições políticas como se fossem uma verdade inconteste em reuniões de colegiados. Outra coisa bem diferente é ter os próprios direitos constitucionais violados pela implantação de uma agenda política com a qual não se concorda. Acho que a coisa passou dos limites.

Esse negócio me incomoda de diversas maneiras. Inclusive porque nessa época do ano eu deveria estar de férias na praia. Ao invés disso estou aqui passando calor em BH, só porque meus filhos precisam terminar seu semestre na universidade. Resolvi então estudar esse negócio mais a fundo e escrever um texto mais refletido. Estou imerso nessa tarefa e tenho lido muita coisa.

Apregoa-se muito a “diversidade” na universidade. A diversidade demográfica é utilizada, p. ex., como argumento para justificar políticas de cotas que violam os princípios de isonomia perante a lei e a meritocracia. A diversidade pregada restringe-se, entretanto, à características demográficas tais como sexo, gênero, etnia, classe sócio-econômica etc. A diversidade política e religiosa virou a Cinderellla da academia. A variação política e religiosa para o lado direito, ou seja, para o lado errado do espectro ideológico, é severamente punida. A nova ortodoxia que domina o pensamento acadêmico contemporâneo é fundamentada na ideologia do politicamente correto. E violações aos seus princípios são severamente punidas por processos de groupthinking, tais como o ostracismo, ou até mesmo criminalizadas. São cada vez mais freqüentes as manifestações de intolerância política, censura e exigência de medidas institucionais contra os politicamente incorretos que ousam expressar suas opiniões.


Ao mesmo tempo, a atividade acadêmcia confunde-se cada vez mais com o ativismo político. O crescimento de correntes de pensamento que desembocaram no chamado marxismo cultural (ou nova esquerda, ou pós-modernismo, ou descontrucionismo etc., Scruton, 2015) levou a um questionamento da neutralidade e objetividade da pesquisa científica. A pesquisa científica passou a ser desconstruída como uma forma discursiva que reflete microrelações de poder resultantes da opressão de uma categoria social sobre outra. Segundo essa concepção, como a busca da verdade através da pesquisa científica é um projeto inviável e ideologicamente carregado, a única alternativa para o acadêmico é o ativismo política. O objetivo da universidade se desvincula da busca de verdade e se traveste de uma busca por justiça social. Isto é, como promoção de uma agenda política, seguindo o motto de Marx de que o objetivo da filosofia não deve ser compreender mas transformar a realidade.

O predomínio do pensamento politicamente correto, ativismo político e censura aos não-conformistas com a nova ortodoxia se manifesta de diversas maneiras. Ym caso emblemático é o do Prof. JordanPeterson, que está sofrendo sanções por parte da universidade em Torono por se recusar a utilizar termos lingüísticos neutros e adequados à ideologia de gênero.

Mas isso não é coisa só dos gringos não. Nem nisso conseguimos ser originais. Aqui no Brasil, no ano de 2016 tivemos inúmeras manifestações desse fenômeno. A principal delas foram as invasões e escolas e universidades, ocorridas à revelia dos direitos constitucionais dos professores e estudantes que discordavam das suas motivações e procedimentos políticos. É curioso constatar como os apóstolos da divergência e do combate ao preconceito se revelaram preconceituosos e opressores das opiniões contrárias.

O motivo pode estar relacionado ao fato de serem apóstolos de uma causa e não docentes, pesquisadores e estudantes em busca da verdade. Na ânsia por implementar sua agenda política, a própria missão da academia bem como considerações morais pela dignidade, interesses e valores dos discordantes são colocados em segundo plano. Para promover a justiça social esse pessoal é capaz de pisar no pescoço da própria mãe.

Os fenômenos relatados acima constituem apenas um exemplo do desvirtuamento da atividade acadêmica como ativismo político. Resultam diretamente do fato de que, se a pesquisa isenta e objetiva bem como o teste de hipóteses são impossíveis, só o que resta é a política. O problema é que a política se caracteriza por facções rivais cada uma querendo implantar sua agenda. A política é um exercício de fazer prevalecer uma determinada posição de forma independente da argumentação lógica e das evidências empíricas. A política é feita com o fígado e não com o cérebro. Renunciar à pesquisa em favor da política é o caminho mais certo e curto para o totalistarismo.

Nos últimos dias testemunhamos um exemplo raro de arrependimento e reconhecimento de erro por enviesamento político por um dos maiores historiadores da atualidade. Niall Ferguson é professor da Harvard University e pesquisador da Hoover Institution (http://www.niallferguson.com/). É autor de vários livros fantásticos, tais como a história da família Rotschild, Civilização, Império, Colosso, Declinio etc. e mais recentemente uma biografia de Henry Kissinger. Pois o Ferguson, que havia se posicionado frontalmente contra o Brexit, acabou reconhecendo que estava errado e que seu posicionamento derivava em grande parte de sua amizade com David Cameron, ex-premier britânico. Um raro exemplo de honestidade intelectual.

Felizmente, no mundo inteiro, a comunidade de pesquisadores está despertando para os perigos do pensamento politicamente correto e ativismo político na acadêmia. Vou mencionar apenas alguns exemplos, fornecendo sugestões de leitura, com os links respectivos, sempre que isso for possível.

van der Vossen (2015) desenvolveu um argumento filosófico contrário ao ativismo político na universidade. Van der Vossen defende que a universidade seja uma “torre de marfim” no bom sentido. Ou seja, no sentido humboldtiano de que a universidade deve ser autônoma em relação à religião, ao mercado, ao estado e à ideologia de um modo em geral. O argumento se baseia em um princípio moral de senso comum e em descobertas da psicologia cognitiva. O argumento do senso comum é que um profissional deve evitar se envolver com atividades que venham a prejudicar o exercício da sua profissão. Ora, o ativismo político prejudica a busca da verdade, então o pesquisador pode ter suas próprias convicções, mas deve aprender a separar sua atividade acadêmica da sua afiliação política. Por que o ativismo político prejudica a pesquisa? Um dos principais argumentos é o viés confirmatório, o qual será discutido nos parágrafos a seguir.

Duarte e cols. (2016)  escreveram um artigo genial, o qual foi publicado como target article seguido de comentários na Behavioural and Brain Sciences. Eles revisam dados mostrando que as universidades norte-americanas estão cada vez mais homogêneas politicamente e enviesadas para a esquerda. Isso vale para a universidade em geral, mas principalmente para as ciências humanas, incluindo psicologia e especialmente a psicologia social. Vários são os mecanismos envolvidos na esquerdização da universiade, tais como auto-seleção e groupthinking, teto de vidro para estudantes com posições não-esquerdistas realizarem pós-graduação, empecilhos par a aprovação de projetos politicamente incorretos nos comitês de ética, rejeição pelas instituições financiadoras de pesquisa de projetos politicamente incorretos, além de ostracismo e franca hostilidade contra os divergentes.

A hegemonia esquerdista implica em riscos para a validade da pesquisa. Isso acontece devido a vários fenômenos cognitivos, o principal dos quais é o viés confirmatório. Nos seres humanos evoluiu uma heurística segundo a qual o teste de hipóteses é sempre enviesado para as hipóteses do nosso coração. As evidências favoráveis à hipótese do coração adquirem salicência cognitiva e cegam o tomador de decisões quanto às evidências desfavoráveis.

O viés confirmatório pode não se correlacionar com a inteligência. Duarte e cols. citam um trabalho de Perkins e cols. (1991) no qual foi observado que a inteligência se correlacionava c om a geração de evidências hipotéticas favoráveis mas não com a geração de evidências desfavoráveis a uma hipótese.

A redução do viés confirmatório não é, portanto, uma questão de esperteza. Para superar o viés confirmatório não basta ser safo. É preciso desenvolver uma disciplina intelectual que favoreça a contra-argumentação. Isso aí é o feijão-com-arroz da pesquisa. Eu, p. ex., detesto o Paulo Freire. Uma vez quis escrever um trabalho para esculhambar com o Paulo Freire (Haase et al., 2015). Para isso me obriguei a ler o cara. Apesar do asco que me causou. O meu trabalho não era politicamente isento. Longe disso, o meu objetivo era esculhambar o cara. Mas, para esculhambar eu preciso fazer a construção mais honesta possível dos seus argumentos e evidências para, eventualmente, desconstruí-los.

E sou obrigado a admitir que o meu texto desconstruindo o sócio-construtivismo na educação não é um trabalho de pesquisa. Nâo é porque, ao contrário das minhas pesquisas empíricas, não é isento. Assim como esse texto aqui não é isento, mas politicamente motivado. Não acho que seja problemático sem si o pesquisador assumir posições políticas e expressá-las. Ao contrário, isso é da vida inteligente. O que não pode acontecer é confundir textos militantes com pesquisa científica.

O enviesamento político pode invalidar o processo de pesquisa e busca da verdade. O viés pode influir na escolha de temas e posicionamentos teóricos, na seleção, construção e intetpretação de instrumentos com base em pressupostos políticos indemonstráveis, bem como na interpretação seletiva com base apenas nas evidências confirmatórias e negligência das evidências desconfirmatórias.

No Brasil a situação é agravada pelo fato de que grande parte da “pesquisa” é conduzida por militantes de uma determinada causa usando delineamentos muito fracos, como p. ex., versões de pesquisa qualitativa tais como análise do discurso, pesquisa fundamentada etc. Esses delineamentos são fracos porque não se utilizam do teste de hipóteses, não consideram a hipótese alternativa e não permite generalizações. Na maioria das vezes, o pesquisador parte de um determinado pressuposto e se contenta com as “evidências” favoráveis, sem usar métodos estatísticos de moastragem e teste de hipóteses que lhe permitissem excluir a hipótese nula.

Vou contar um causo. Certa vez,  um professor visitante alemão foi convidado para uma banca de mestrado. O trabalho da moça era sobre questões de gênero e alcoolismo. Ela conduziu uma série de entrevistas com esposas de alcoolistas, transcreveu e analisou diligentemente os resultados e chegou à conclusão de que o alcoolismo é uma questão de gênero. O professor visitante causou mal-estar ao perguntar para a moça: “OK, eu também acho que alcoolismo é uma questão de gênero. Que alcoolismo tem tudo a ver com gênero. Mas você não considerou a hipótese negativa. Ou seja, de que alcoolismo não tivesse anda a ver com gênero:”

O ativismo político na universidade foi questionado também por um dos principais psicólogos sociais contemporâneos, Jonathan Haidt, na conferência Hayek pronunciada na Duke University em outubro de 2016. Haidt aprofunda a discussão desses temas numa aula cujo título é “Why universities must chooseone telos: truth or social justice”. A universidade precisa escolher uma outra coisa. Ou continua como entidade de ensino ou pesquisa ou assume o feitio de uma instituição de assistência social ou promoção da revolução.

Nos EUA é crescente o número de pesquisadores preocupados com essa questão do enviesamento e ativismo político na universidade e dos efeitos potencialmente nefastos sobre a pesquisa. Pesquisadores de diversas tendências políticas se congregaram em um site, a Heterodox Academy, que procura discutir e chamar atenção para essas questões. É o que estou procurando fazer aqui também. O preço que se paga por abrir a boca é alto. Mas o preço de ficar de boca fechada é mais alto ainda.

Questionar o enviesamento e ativismo político na universidade e a utilização de delineamentos fracos de pesquisa apenas parece nas não é novidade. Na verdade isso tudo é café requentado. Hà muitos anos fiquei agradavelmente surpreso ao ler umas observações em um livro de metodologia de pesquisa para a área da educação (Ales-Mazziotti & Gewandsznajder, 1999). Gostei tanto do negócio, que resolvi transcrever o trecho e guardá-lo. Aí vai. Digam-me se os autores não estão descrevendo tim-tim por tim-tim um tipo de pesquisa e uma tipo de comunidade acadêmica muito prevalente no Brasil.

“A pobreza teórico-metodológica é, em grande parte, responsável pela pulverização e irrelevância dos temas escolhidas, e também pela adesão a modismos e pela preocupação com a aplicabilidade imediata dos resultados.
“O pouco conhecimento das discussões teórico-metodológicas travadas na área faz com que muitos pesquisadores fiquem restritos à sua própria prática, dela derivando o seu problema de pesquisa e a ela buscando retornar com aplicações imediatas dos resultados obtidos.
“O fato de que esses estudos costumam ser restritos a uma situação muito específica e de que a teorização se encontra ausente ou é insuficiente para que possa ser aplicada a situações semelhantes resulta na pulverização e irrelevância desses estudos.
“Finalmente, o pouco interesse que tais estudos despertam é explicado pelas características anteriormente apontadas, e, por sua vez, explica seu pouco impacto na prática mais ampla” (Alves-Mazziotti & Gewandsznaider, 1999).

Enquanto isso, as nossas instituições de fomento à pesquisa teimam em despejar dinheiro nesse tipo de projeto. E quando os pesquisadores enviam para o Comitê de Ética um projeto de pesquisa com um delineamento quantitativo, com hipóteses bem formuladas, com um modelo estatístico apropriado, com tamanho amostral minimamente aceitável e considerando hipóteses biologicamente fundamentadas são muitas vezes obrigados a dar satisfações a pareceristas politicamente enviesados que abjuram a metodologia quantitativa, o teste de hipóteses e o naturalismo nas ciências comportamentais. A nova ortodoxia só aceita o determinismo sociológicos. Modelos multicausais epigenéticos, que investigam a interação entre múltiplas influências ambientais e genéticas sobre fenômenos comportamentais complexos, são do mal.


Referências

Alves-Mazzotti, A. J.; Gewandsznajder, F. (1999). O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira.

Duarte, J. L., Crawford, J. T., Stern, C., Haidt, J., Jussim, J., Tetlock, P. E. (2015). Political diversity will improve social psychological science. Behavioral and Brain Sciences, 38, e164 (doi:10.1017/S0140525X14000430, e130).

Haase, V. G., Júlio-Costa, A., & Lopes-Silva, J. B. (2015).  Por que o construtivismonão funciona? Evolução, processamento de informação e aprendizagem escolar. Psicologia em Pesquisa – UFJF, 9, 62-71.

Haidt, J. (2016). Hayek Lecture: Why universities must choose one telos: truth orsocial justice. Durham, NC: Center for the History of Political Economy, Duke University (retrievend on January 2nd, 2017).

Scruton, R. (2015). Fools, frauds, and firebrands: thinkers of the new left. London: Bloomsbury Academic.

Van der Vossen, B. (2015). In defense of the ivory tower: Why philosophers should stay out of politicis? Philosophical Psychology, 28, 1045-1063.

4 comentários:

  1. Supimpa seu texto, Vitor. Ele descreve exatamente o que vem ocorrendo na universidade há décadas. Me espanta saber que no exterior ocorre a mesma coisa.

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    1. Cara, lá no exterior é pior ainda. Mesmo. Virou um nojo. Os caras aqui nãos ão originais nem nisso. Eles são anti-americanos até a medula, mas não se pejam de imitiar os gringos. Uma grande diferença, entretanto, é que lá nos EUA há toda uma opinião e ativismo conservadores que procura resistir bravamente. O mesmo não acontece na Europa. A Europa se rendeu ao multiculturalismo. Puro sentimento de culpa. Culpa à toa. Não existe civilização que não tenha cometido seus pecados. O Ocidente nunca foi dos piores e vem aprendendo.

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  2. Eu achei o texto incrível! Inclusive a minha percepção deste cenário me deixa bastante confuso. Como me formei em um curso de humanas (psicologia), certas 'metodologias' de investigação foram ensinadas. Sou um analfabeto em métodos quantitativos, embora gostaria de trabalhar com pesquisa. Não sabe como me brocha o desejo de partir para pós-graduação e sentir que não vale à pena. Os trabalhos na área de humanas não escondem o seu ativismo, todo artigo tem um tom de "Manifesto Comunista", subindo na mesa e apontado o dedo nos problemas. E claro, a solidão que provoca naqueles que gostam de debruçar-se sobre questões, debatê-las com prudência e trocar com os colegas :/

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    1. Existe um teto de vidro que impede os não-esquerdistas de progredir na academia.

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