domingo, 4 de dezembro de 2016

A NOVA ORTODOXIA



Recentemente, eu me diverti demais lendo um livro do Roger Scruton (2015), intitulado “Fools, frauds, and firebrands: thinkers of the new left”. O livro é divertido por muitos motivos. Um dos mais importantes é o tom irônico do autor, que realmente escreve muito bem. E sabe mangar dos esquerdistas com um humor muito fino.

Esse livro é uma reedição e atualização da edição anterior e descreve o processo de conversão conservadora do Scruton. Ele estava lá em Paris no Maio de 1968  e testemunhou o pessoal arrancando paralelepípedos e jogando nos carros e na polícia ou simplesmente tocando fogo nas coisas. A galera estava contra tudo e contra todos. Tal como a Dilma, ou como os Black Blocks eles estavam fazendo o Diabo.

Qualquer motivo serve para a revolta de quem não tem motivos para se rebelar. O Scruton sentiu-se alienado daquele processo. Não conseguia entender o sentido de tudo aquilo. Talvez a coisa não tivesse sentido mesmo.

O livro do Scruton analisa a base ideológica daquela revolta que perdura até os nossos dias. A base “filosófica” (se é que se pode chamar assim) do Maio de 68 e do que veio e continua vindo depois pode ser encontrada em autores como Gramsci, Sartre, Foucault, Lacan, Althusser, Derrida, Deleuze, Brown, Marcuse etc. etc. São os chamados pensadores da “Nova Esquerda”.

Os quais de pensadores não têm muita coisa não. O “pensamento” deles se resume a “se existe alguma coisa e eu não gosto, então sou contra e fico inventando historinhas para atribuir os objetos do meu desgosto a maquinações capitalistas, sexistas etc.” Todo chinelo que não calça o meu pé-torto é uma maquinação fascista.

O tal pensamento da nova esquerda é uma coisa monomaníaca mesmo e faz parte de um processo mais amplo de Marxismo Cultural, cujo objetivo é “problematizar” ou “descontruir” todas as tradições culturais do Ocidente, analisando-as em termos de relações de poder, de opressão etc. etc.

Com quais finalidades? O objetivo último parece ser preparar os corações e mentes para a revolução, a qual é uma inevitabilidade histórica que destruirá tudo o que existe, sem deixar pedra sobre pedra. Toda a Cultura Ocidental precisa ser destruída para que o Paraíso na Terra possa ser construído. Ou apenas para que os ofendidinhos e ressentidinhos possam descarregar suas magoinhas com o “Sistema”.

A leitura do livro do Scruton sobre os bobos, impostores e arsonistas teve um sabor todo especial para mim. Os autores analisados constituiram a dieta ou ração intelectual básica durante boa parte da minha juventude.

Quantos anos da minha vida eu perdi lendo essas besteiras! Fico apavorado só de pensar. Ao mesmo tempo fico aliviado por ter conseguido escapar desse jugo interior.

Naquela época não era coisa trivial encontrar essa literatura. Na época do Regime Militar havia uma certa censura. Os livros eram publicados apenas se escapassem ao crivo vigilante porém intelectualmente canhestro dos censores. Muita coisa a gente tinha que procurar em algumas livrarias especializadas, quase clandestinas e que vendiam livros contrabandeados. Ou então tinha que comprar pessoalmente na Argentina e por aí vai.

Mas o irônico mesmo da história é que aquela literatura que era subversiva na minha mocidade acabou se constituindo em uma nova ortodoxia. A maior prova que eu tenho disso é uma questão do ENEM.

Um dos meus filhos, em um dos tantos ENEMs da vida que eles fizeram para poder entrar na UFMG, errou uma questão determinada apenas porque ele não conhecia Michel Foucault.

Quando ele me mostrou a questão e a alternativa que havia escolhido, eu quase tive um chilique. Como é que ele foi errar uma questão que era ridícula de tão fácil? Fácil para quem saca o Michel Foucault. Difícil, quase impossível para ele que nunca tinha ouvido falar em Foucault e que passou a quilômetros de distância dessa besta-fera.

Eu me consolei pensando assim: “Ainda bem que ele errou essa questão. Uma questão a mais, uma a menos... Sempre dá pra fazer o ENEM de novo. É melhor errar uma questão do que perder seu tempo com essas besteiras. Ponto pro moleque, que até aquele momento tinha se mantido virgem desse tipo de asneira”.

Ao meu ver, isso demonstra de forma cabal o fato, justamente, de que a subversão de ontem se transformou na ortodoxia de hoje. O ambiente acadêmico nas universidades do mundo todo anda muito empobrecido. Não é apenas no Brasil não. É no mundo todo. A academia é dominada por um viés esquerda.

Os “acadêmicos” ficam falando em “alteridade”, “diversidade” disso e daquilo, expressão da própria “subjetividade” etc. etc. Mas a gama de variação permitida para a expressão da alteridade vai do centro para a extrema esquerda apenas. Opiniões discordantes, mais à direita, são invariávelmente coibidas e taxadas de fascistas, nazistas ou coisa pior.

O ambiente político é quase irrespirável na academia. Se vou a alguma reunião de comitê ou a alguma ocasião social, preciso ficar me policiando. Vai que eu falo alguma coisa politicamente incorreta? Vai que eu questiono algum dogma esquerdista ou emito alguma opinião conservadora? O mal-estar causado é geral e imediato. Desce um bafo de gelo e eu fico me sentindo o último dos mortais, uma espécie de leproso. Quando não sou xingado diretamente de nazista ou admoestado pela minha falta de compostura...

Felizmente, porém gradualmente o clima está mudando. O gelo soviético está derretendo. A opinião pública brasileira está abrangendo um espectro mais amplo de opiniões. Basta citar o trabalho de alguns formadores de opinião, tais como Reinaldo Azevendo, Joice Hasselmann, Olavo de Carvalho, Luiz Felipe Pondé, Denis Rosenfield, Marco Antônio Villa e muitos outros.

A hegemonia do marxismo cultural rompeu-se. Ainda é vexaminoso citar determinados autores. Mas o gelo está derretendo e o monopólio da opinião vai se esfarelando. Os sucessivos escândalos de corrupção bem como os “coxinhas” da “elite golpista” na rua certamente estão contribuindo para isso.



Referências

Haidt, J. (2011). The bright future of postpartisan social psychology. San Antonio: Society for Research on Personality and Social Psychology (http://people.stern.nyu.edu/jhaidt/postpartisan.html).

Haidt, J. (2012). The righteous mind. Why good people are divided by politics and religion. New York: Pantheon.

Scruton, R. (2015). Fools, frauds and firebrands. Thinkers of the new left. London: Bloomsbury.

Nenhum comentário:

Postar um comentário