segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

SE A REALIDADE NÃO SE ADEQUAR AO SEU DESEJO, INVADA UMA FACULDADE



Se a realidade não se adequar ao seu desejo, invada um prédio público. Nada vai acontecer. As autoridades da Justiça, do Ministério Público e do Executivo não vão querer pagar de preconceituosas e vão ser lenientes, quando não estimularem os comportamentos autocráticos dos jovens que invadem faculdades e cerceiam os direitos e os deveres alheios. Argumenta-se que o povo está protestando e que os protestos não podem ser “crimininalizados”. O juízo deve ser suspenso.

Isso não é exclusividade brasileira. A única coisa genuinamente nacional é a jaboticaba. Em Inglês o pessoal tem usado e abusado do termo “nonjudgemental”. Ninguém quer parecer “bigot” ou “judgemental” em relação ao comportamento alheio. Todo mundo quer ser “inteligentinho”, como diz o Pondé.

Ando intrigado com esse termo “nonjudgemental”. Como traduzí-lo para o Português? Acho que se refere à recomendação politicamente correta de que o juízo (principalmente moral) deve ser suspenso. Que devemos nos despir de preconceitos – a não ser o preconceito de não ter preconceitos.

Mesmo sem saber direito como traduzir esse vocábulo politicamente correto, todos sabemos direitinho o que ele significa e sofremos na carne as suas conseqüências. Da Justiça, espera-se que julgue, ou seja, que emita juízos sobre comportamentos. Se um determinado comportamento foi certo ou errado. Se uma pessoa que se comportou de certa maneira precisa de punição. Se a sociedade tem o direito de se precaver contra reincidências de um indivíduo de risco estatístico etc. Os invasores de faculdade e lançadores de molotovs podem nem saber que o termo existe, mas compreendem exatamente e exploram o conceito subjacente. Não deixa de ser uma forma de preconceito. Só que é o preconceito do bem, o anti-preconceito.

Aí entra o clássico caso no qual a Polícia prende, o juiz solta e o criminoso reincide. De maneira mais violenta e hedionda geralmente, uma vez que o facínora foi coonestado pela Justiça. O que acontece nesses casos? Os juízes não querem parecer preconceituosos. Querem garantir os direitos dos manos até o último, independentemente de como isso possa afetar o bem-estar e a integridade física e moral dos não-manos.





A suspensão contemporânea do juízo é o tema de um brilhante ensaio do Theodore Dalrymple. Além de contextualizar a questão do ponto de vista social e criminal, ele também a analisa a partir de uma perspectiva clinica e psicológica.

Idealmente, o profissional de saúde deve suspender o juízo. Deve atender todos as pessoas necessitadas, independentemente de simpatias. O profissional de saúde deve ser neutro e não emitir juízos de valor (morais) sobre o comportamento do seu cliente. Mas o que fazer quando os problemas do cliente são causados ou relacionados principalmente aos seus comportamentos moralmente inadequados? O Dalrymple enfrenta corajosamente essa questão e usa um argumento matador:


Há um tempo, eu li um artigo muito interessante, que infelizmente não consigo mais localizar. O cara defendia a tese de que, em um grande número, as doenças mentais são problemas morais. Uma grande parcela de doentes mentais é egocêntrica, não conseguindo perceber a perspectiva dos outros. Uma pessoa que está tão atrapalhada, que não consegue entender que existe uma multiplicidade de pontos de vista. Que as pessoas têm interesses muitas vezes conflitantes e que não são apenas os seus próprios interesses que contam.

Não sei se isso é causa ou conseqüência. Pode muito bem ser uma conseqüência de um sofrimento psicológico atroz. Se for conseqüência, precisa ser diagnosticada e tratada. Se for causa, deve ser erradicada.

Segundo o Dalrymple, essa agnosia moral, essa dificuldade para perceber a própria parcela de responsabilidade nos eventos da vida é uma das marcas da contemporaneidade. É um tipo de comportamento narcisista que se manifesta, principalmente, sob a forma do vitimismo.

O vitimismo é a atitude do indivíduo que se compraz em, como o nome diz, ser objeto da opressão, estigmatização etc. A existência humana é reduzida a relações de poder, nas quais os opressores (machos e ocidentais) não se furtam de espezinhar uma série de categorias de vítimas inocentes. Nessa visão do mundo, as pessoas perdem sua invidualidade, sendo percebidas como representantes de categorias abstratas. As relações interpessoais, a impossibilidade de realizar todos os desejos e a responsabilidade pelas conseqüências dos próprios atos são forcluídas. A vitimização passa a ser a fonte maior de significado na vida. O indivíduo se define através dela.

Depois dessa volta toda, chegamos, finalmente, ao caso das invasões. Os petralhas ficaram 14 anos roubando e desperdiçando. Quebraram o País. Aí vem um novo Governo e propõe medidas legislativas para tentar consertar a porcaria. Vejam bem, medidas legislativas. A proposta pode ser boa ou ruim. Mas ela só vai ser implementada se for aprovada, democraticamente, pelo Poder Legislativo.

Há um grupo de pessoas que se opõe a essas medidas. O que eles fazem? Vão para as ruas aos milhões, protestar pacificamente contra as medidas que consideram inadequadas? Nada disso, resolvem invadir prédios públicos e tolher o direito alheio de estudar e trabalhar. Ficam desperdiçando cerca de três a quatro mil reais por mês para cada estudante que não pode freqüentar aulas, sem ter a mínima consideração também pelos pagadores de impostos. Ou, pior ainda, saem pelas ruas lançando molotovs, virando e incendiando carros, depredando prédios públicos, apedrejando, flechando e esfaqueando policiais. Tudo porque o Mundo não está girando de acordo com suas vontades.

Ai de quem ouse questionar a moralidade e legalidade do comportamento desses jovens. Eles se refugiam imediatamente na posição de vítima preferencial do preconceito. O crítico passa a ser alvo automático de uma campanha de assassinato moral. Passa a ser tratado como escória da Humanidade, como preconceituoso, reacionário, “fascista” ou coisa pior.

Ainda bem que tem uns caras como o Theodore Dalrymple que nos ajudam a analisar mais logica, serena e corajosamente as questões subjacentes. Se nos intimidarmos, se formos covardes e não nos pronunciarmos, se optarmos por não criminalizar o crime, estaremos validando e estimulando o mesmo.

Estaremos subtraindo a esses jovens uma oportunidade, talvez única, de questionarem suas crenças e seu comportamento, de fazerem um exame de consciência, de procurarem compreender quais são as conseqüências dos seus atos, quais seus deveres e qual sua responsabilidade no que acontece. Isso tudo pode parecer coisa muito démodé. Mas eu não importo. Estou chegando aos sessenta anos e prefiro a companhia e a consolação do Dalrymple do que a aprovação desses vagabundos, mimadinhos, vitiminhas, invasores de prédios públicos, cerceadores dos direitos alheios, bem como dos partidos políticos e professores que apóiam seus comportamentos moralmente reprováveis. Acho que estou em ótima companhia. Sózinho, mas bem acompanhado. E não vou fechar o bico enquanto essas invasões perdurarem. Enquanto eu precisar ficar em casa numa segunda-feira de manhã.

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