domingo, 4 de dezembro de 2016

CORREÇÃO POLÍTICAA NA ACADEMIA: PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO, POLÍCiA DOS COSTUMES E CRIME DE OPINIÃO



Nas universidades brasileiras está ocorrendo um patrulhamento ideológico por grupos que agem como se fossem uma espécie de polícia dos costumes, reminescente daquela criada pelos aiatolás. Esse pessoal fica vasculhando blogs de professores heterodoxos, à cata de manifestações de uma nova categoria de ilícito, o crime de opinião. Muitas vezes, os professores são até mesmo fisicamente constrangidos ao tentarem dar aulas ou então constroem-se barricadas na porta dos gabinetes dos professores que não se conformam à ditadura do pensamento de esquerda.

Essas coisas existem há muito tempo. Opiniões heterodoxas causam mal estar entre colegas, expressões  da ortodoxia esquerdista são tratadas como se fossem uma questão consensual,  professores heterodoxos são ostracizados, quando não viram alvo de execração pública, crenças religiosas são alvo de chacota, inclusive em sala de aula etc. O catálogo de chicanas é extenso demais para ser descrito em detalhes.

Há mais de vinte anos, quando eu comecei a dar aulas em uma universidade federal, ao andar pelo corredor, o pessoal gritava assim pra mim: “Oh, seu positivista!”. Eu achava que era elogio. Apesar de não ser positivista, tenho em alta conta o positivismo lógico. Agora eu ando pela universidade e ouço gritos: “Ei, seu fascista!”. Finalmente, a ficha caiu. Agora entendo que não era elogio, mas sim um xingamento da pior espécie. Até um burro velho como eu acaba aprendendo alguma coisa. O desprezo com o qual muitos professores extremamente produtivos são tratados na universidade contrasta com a consideração e manifestações de reconhecimento, apreço e admiração que recebem de colegas em congressos e sociedades científicas da sua especializade. Será que, por trás da execração pública não se esconde uma pontinha de inveja?

Nos últimos tempos o patrulhamento ideológico na Academia Brasileira aumentou de intensidade. O clima está tenso, o debate intelectual e científico morreu. A pesquisa  e busca da verdade e compreensão da realidade foram substituídas pela “transformação da realidade”, pela instrumentalização política da atividade “acadêmica”. Ao invés de vir para a universidade com o intuito de dar aulas, formar profissionais e pesquisadores, fazer pesquisa etc. muitos colegas pretendem dar continuidade às lutas da sua juventude no movimento estudantil. É como se ainda vivêssemos sob uma ditadura, como se não tivéssemos construído um regime democrático e constitucional, ainda que imperfeito.

Por mais imperfeita e corrupta que a nossa política seja, nossa missão não é destruí-la e sim aperfeiçoá-la. A Constituição de 1988 é um legado que recebemos das gerações que nos antecederam e lutaram pela democracia no Brasil. Um legado das nossas lutas na juventude. Nós não podemos romper a ordem institucional em favor de projetos temerários e totalitários que, inevitavelmente, terminam em fracasso e miséria humana, quando não em genocídio. Vide o exemplo mais recente da Venezuela. Eu não gosto muito da Constituição de 1988. Mas é que temos. É a que herdamos. E eu não estou disposto a jogar a Constituição na lata do lixo.

Mas isso só é novidade no Brasil. Nos EUA, essa onda politicamente correta é caudatária das revoltas da Década de 60 e está asfixiando progressivamente o clima intelectual (Kimball, 2000). O clássicos do pensamento, literatura e arte são “desconstruídos” como artimanhas de dominação das classes dominantes e diletantes intelectual, mediocridades e vigaristas são erigidos em gurus do pensamento politicamente correto. A ciência e a busca da verdade são impossíveis. Toda a ciência se reduz a um discurso de dominação de classe, gênero, raça etc., que precisa ser desconstruído. Que pobreza intelectual! Um dos fenômenos mais lamentáveis é a proliferação dos cursos de graduação em “estudos” disso ou daquilo. Cursos esses que são uma porcaria, nos quais os estudantes não aprendem a pensar, apenas a repetir e cultivar mantras ideológicos. Depois, como não aprendem nada de útil, nada que lhes permita uma inserção no mercado, só lhes resta a reinserção na Academia ou o vitimismo pelo sub- ou desemprego. 

É interessante observar que esse fenômeno cultural não passa de um para-efeito da democracia. Só a democracia capitalista é tolerante com as forças críticas, que muitas vezes querem destruí-la, carregando em si as sementes do totalitarismo. A Academia burguesa tem sido mais do que tolerante com o ovo da serpente. A ponto de que a própria liberdade de pensamento está sendo colocada em risco.

O clima em muitas universidadesamericanas está irrespirável. Qualquer comentário mais crítico ou, eventualmente, alguma piadrinha ou grosseria contra alguma categoria de pensamento ou identidade é causa de mimimi e motivo para sindicâncias, sanções disciplinares etc. Note-se: Mesmo que as supostas “ofensas” fiquem no nível abstrato, que ninguém seja explicitamente mencionado, elas não deixam de causar a mais veemente, agressiva e intolerante reação. Erigiram algumas categorias de pensamento que viraram vacas sagradas do politicamente correto. É o crime categorial. Ou seja, usar as categorias erradas de pensamento.

Uma série de revoltas de alunos, ocorridas nos campi Americanos no ano passado, tinha o objetivo, entre outros, de exigir das autoridades universitárias a instauração de processos disciplinase medidas reeducativas para os criminosos de opinião, infratores da ideologia politicamente correta (). Freqüentemente, esses protestos descambaram para a violência,

Muitas administrações universitárias nos EUA cederam a esse vitismo e programas reeducativos em correção política foram instituídos. Tudo isso é reminescente da Revolução Cultural Chinesa ou das famosas “auto-criticas” comunistas. Apesar de muita gente inocente ou mal intencionada insistir que o comunismo morreu. O clima está, realmente, sufocante, impeditivo de um debate, do cultivo da diversidade de opiniões político-religiosas.

Essas coisas são novidade apenas aqui no Brasil. Nem nisso o pessoal da esquerda consegue inovar. Apesar de serem declaradamente anti-americanos, até nisso eles acabam imitando os americanos, ainda que com atraso.

Felizmente, nos EUA já se esboça uma reação contra o politicamente correto. Uma matéria publicada no New York Times esse ano relata que os alumni (ex-alunos) estão suspendendo as doaçõespara diversas universidades norte-americanas por não concordarem com o patrulhamento ideológico e restrição ao debate científico e intelectual. É importante ressaltar, que nos EUA, as doações de ex-alunos constituem uma importante fonte de financiamento para as universidades.
Uma outra iniciativa foi a fundação de um site denominado Heterodox Academy. A Heterodox Academy congrega cientistas eminentes de diversas áreas do conhecimento e com diversas orientações políticas. Seu objetivo comum é promover a liberdade de opinião e a diversidade política e religiosa nos campi americanos. Uma das iniciativas da Heterodox Academy foi criar um ranking da liberdade de pensamento nas universidades americanas: http://heterodoxacademy.org/resources/guide-to-colleges/

Jonathan Haidt, um destacado psicólogo social, é um dos pesquisadores que participa dessa iniciativa heterodoxa. Recentemente, Haidt ministrou a conferência Hayek na DukeUniversity, na qual ele se pergunta sobre os objetivos da universidade: A universidade existe para descobrir a verdade ou para promover a justiça social? Ou seja, a universidade é uma instituição que se propõe a compreender a realidade ou a transformá-la? O principal problema é que quando esses dois objetivos entram em conflito, quem paga o pato é a verdade.

Será que não está na hora de nós, pesquisadores, professores e alunos heterodoxos brasileiros imitarmos os norte-americanos e nos congregarmos, ainda que informalmente?


Referência

Kimball, R. (2000). The long march: how the revolution of the 1960s changed America. San Francisco: Encounter.

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