domingo, 4 de dezembro de 2016

A QUEM INTERESSAM AS INVASÕES?



O meu conhecimento do Direito se resume ao que aprendi nos filmes e séries norte-americanos de tribunais. Lá sempre tem alguém que pergunta assim: “Cui bono?” A quem interessa? Vou analisar essa questão no que diz respeito à atual onda de invasões de escolas e universidades que assola o País. Começarei por examinar a quem as invasões NÃO interessam. A perspectiva que adoto é, inevitável e assumidamente, pessoal e intuitiva.


As invasões não interessam aos professores que querem trabalhar

O motivo alegado das invasões é a luta pela melhoria da qualidade do ensino, a qual estaria ameaçada por medidas de contenção de despesas propostas ao Congresso pelo Governo Federal. Acho paradoxal que alguém queira lutar pela melhoria do ensino impedindo os estudantes de estudar e os professores de trabalhar.

Mas as invasões não afetam a todos da mesma maneira. Dependendo da área em que o professor trabalha, tanto faz se a faculdade está invadida ou se ele está em greve ou não. Dependendo da sua área de especialização, muitos professores podem continuar trabalhando sossegadamente em casa. Produzindo seus artigos e livros, orientando seus alunos de IC e PG com a mesma ou, talvez, melhor qualidade.

Em outras áreas de trabalho é bem diferente. Os professores e alunos dependem do funcionamento de laboratórios e de ambulatórios para realizar suas pesquisas. Dependem do livre acesso de colaboradores e pacientes. Dependem de equipamento e financiamento. Têm prazos para cumprir, precisam fazer prestações de contas e relatórios. Tem gente que fica falando em democracia, diversidade, alteridade e outras palavras chiques e de significado obscuro. Mas não se peja em patrolar os outros.

Há diferenças também no que diz respeito à fase da vida e da carreira. Professores engajados e produtivos no apogeu ou no fim da carreira podem, muitas vezes, ser absorvidos no trabalho, quer seja pela gratificação intrínseca em pesquisar e ensinar, quer seja por uma sensação de urgência ou necessidade de completar uma obra de décadas antes de se aposentar. Será que docentes produtivos, pesquisadores, envolvidos em projetos de pesquisa e de extensão cientiifca e socialmente relevantes são obrigados a se submeter aos ditames de uma agenda política com a qual não concordam? Isso é democracia?

O meu sentimento é de mais profunda revolta. Estou sendo impedido de fazer aquilo para o qual o pagador de impostos me remunera, sendo a razão do meu sustento e da minha família. Estou sendo impedido de exercer um ofício e uma missão para os quais me preparei e investi décadas de trabalho e os quais acredito serem importantes, tanto que fui incumbido pelo estado e investido da função que exerço como sevidor público. Sinto-me desprezado. Sinto que o meu trabalho é irrelevante frente a uma agenda política. Na minha perspectiva, como professor, as invasões somente atravancam a ciência. Os invasores e seus atiçadores ficam fazendo mimimi, queixando-se de falta de verbas etc., mas não se pejam em atrapalhar a vida de quem está trabalhando pelo progresso da ciência e do País.



As invasões não interessam aos estudantes que querem estudar

Ao manifestar veementemente minha inconformidade pelo fato de estar sendo impedido de trabalhar, poder-se-ia me acusar de falta de compromisso com o ensino. Como aliás, isso é inevitavelmente feito, inclusive através de perfis fakes no FaceBook. Nada mais falso. Tanto os perfis quanto as acusações.

A antinomia entre ensino e pesquisa é equivocada. Ela somente se aplica aos cursos profissionalizantes de nível superior, nos quais não se faz pesquisa. O sistema de universidades federais brasileiro se orienta pelo ideal de universidade humboldtiana.
A realização do ideal pode não ser perfeita, mas a tentativa é honesta. A universidade humboldtiana se fundamenta nos principios de universalidade (do conhecimento, dos valores, da busca da verdade), Bildung (formação), autonomia (para fazer pesquisa não-aplicada), liberdade de cátedra, meritocracia e unidade entre ensino-pesquisa-extensão.

A unidade ensino-pesquisa ocorre quando os alunos aprendem pesquisando e pesquisam aprendendo. Por sua vez, a unidade ensino-extensão ocorre quando os estudantes aprendem prestando serviços e prestam serviços aprendem. Um dos mais belos exemplos de unidade ensino-pesquisa é a iniciação científica (IC) brasileira, para ficar apenas no caso da graduação. A IC brasileira é ímpar. Raramente em países da Europa, p. ex., os estudantes de graduação têm a oportunidade que os estudantes brasileiros têm, de por a mão na massa.

Na IC os alunos se confrontam com problemas reais, os mesmos problemas de pesquisa que são enfrentados pelos seus orientadores. Têm oportunidade de trabalhar em todos as etapas de um projeto de pesquisa, do seu planejamento à divulgação, passando pela coleta de dados e análise estatística. A maior realização de um professor é acompanhar o desenvolvimento dos seus alunos de IC, progredindo de estudantes para profissionais e/ou docentes e pesquisadores. Um processo semelhante ocorre em relação à extensão. Em áreas aplicadas, como as ciências da saúde, a pesquisa depende da extensão, sendo os três tipos de atividade, ensino, pesquisa e extensão, indissociáveis.

A IC é o grande diferencial das universidades federais brasileiras. Algumas faculdades particulares conseguem, por vários motivos, oferecer uma qualidade de ensino em sala de aula superior ao que é ministrado nas universidades federais. Mas, no Brasil, com raríssimas e honrosas exceções, apenas as universidades federais procuram cultivar a unidade entre ensino, pesquisa e extensão. A redução de ensino às atividades em sala de aula parte de uma concepção muito limitada do que seja o ensino universitária e mais limitada ainda do que acontece nas universidades federais.

A IC não é importante apenas para a formação de pesquisadores e futuros docentes. Em muitas áreas do conhecimento, tais como as ciências da saúde, se trabalha atualmente com um modelo de prática profissionais baseada em evidência. Trata-se de um postulado ético, segundo o qual o profissional de saúde deve fundamentar suas decisões diagnósticas e terapêuticas nas melhores evidências disponíveis. Na IC o futuro profissional de saúde aprende a utilizar-se do método científico, aplicando procedimentos de testagem de hipóteses na sua prática profissional. Entre outros, esse é um dos motivos pelos quais os profissionais oriundos das universidades federais brasileiras são tão destacados no País e no exterior. A IC não é importante apenas para os futuros pesquisadores, mas para os futuros profissionais e seus clientes também.

As atuais invasões que ocorrem nas universidades federais brasileiras não estão privando os alunos de graduação e pós-graduação das atividades em sala de aula apenas. Por mais importante que a sala de aula seja, ela não se reveste da riqueza  como oportunidade de aprendizagem proporcionada pela pesquisa e pela extensão. Quem esposa uma concepção estreita, reducionista, do ensino como sala de aula não tem nem idéia do que os nossos estudantes estão perdendo com essas invasões. Considerando o que foi acima exposto, é possível até mesmo considerar ofensivas insinuações de professores pesquisadores estão preocupados apenas com suas carreiras ou publicações, eventualmente descuidando do ensino, principalmente do ensino de graduação. O ensino não ocorre apenas na sala de aula. Ocorre também, e principalmente, nos laboratórios e ambulatórios.

Mas, até agora só discuti os efeitos sobre o ensino de forma genérica. Nas boas universidades federais, a maioria dos alunos faz IC. Mas tem aqueles que precisam trabalhar e não podem se dedicar a IC. Será que as invasões atendem a seus interesses? Ontem, domingo, fui almoçar com a família em um restaurante. Fui atendido por uma aluna que está trabalhando lá. Fiquei pensando assim: Será que as invasões estão atendendo aos interesses dessa estudante? Ela é de outra cidade e precisa trabalhar para se manter enquanto estuda. Por ora, enquanto durarem as invasões, ela estará apenas trabalhando para se manter, sem poder estudar...


A quem interessam, então, às invasões?

As invasões interessam apenas àqueles radicais de esquerda que querem impor de forma anti-democrática sua agenda política. Uma agenda política que é majoritariamente rejeitada pela população. Depois de 14 anos no governo, esse pessoal foi democraticamente afastado por incompetência e corrupção inauditas. Nâo se conformam e querem desestabilizar o atual governo. Atual governo que, mal ou bem, está tentando tirar o Brasil do buraco.

Democracia para essa turma é quando eles ganham as eleições. Quando o Lula estava no auge da popularidade, eu só me sentia solitário. Nenhum “coxinha” invadiu qualquer prédio público ou privado. Agora que o engodo se revelou e eles estão sendo rejeitados pela opinião pública, agem de forma autoritária e procuram sabotar por todos os meios o processo de recuperação do estrago que fizeram.

Mas isso não é novidade nenhuma. Sempre foi assim. Abstiveram-se da eleição no Colégio Eleitoral que elegeu o  Tancredo Neves, não assinaram a Constituição de 1988, tentaram sabotar de tudo quanto é jeito o Plano Real – inclusive exigindo o impeachment do então Presidente -, afundaram o País pela sua incompetência e roubalheira. Essa gente tem uma folha impressionante de desserviços ao País. Sempre que podem se posicionar contra alguma medida que possa resultar em progresso social e econômico, eles não exitam em se perfilar do lado errado. Do lado que tenta sabotar as instituições e o progresso. E agora saem por aí, gritando “golpe!” e invadindo escolas e universidades. Ficam brincando de resistência à ditadura. Cadê a ditadura?

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